Bom… não preciso nem dizer que essa noite tinha sido fantástica… fazia tempo que eu e o Rafa não transávamos assim… mas, embora estivesse cansado, eu não estava conseguindo pegar no sono esta noite. Algo no fato do Rafa me presentear com alianças… era como se ele estivesse me pedindo em namoro sério… só que desta vez, pra valer. Era como se ele tivesse me pedindo para continuar com ele para sempre… ou até onde nós conseguíssemos levar… por mais bobo que pareça, isso mexeu comigo, porque era como se ele estivesse me convidando a construir um futuro junto com ele. E isso era tentador. E estava tirando meu sono. Por que não construir um futuro junto com ele? A gente se gostava muito… pelo menos eu tinha essa impressão…
Volta e meia eu olhava para ele dormindo. Podia ser assim pra sempre. Eu e ele. Dividindo uma cama de casal. Dormindo e acordando juntos. Todos os dias. Talvez isso não fosse tão difícil quanto parecesse.
A luz do luar penetrava pela janela e deixava o quarto tenuemente azul. Estava escuro o suficiente para alguém que acabasse de entrar não conseguisse enxergar nada. Mas, como meus olhos já tinham se acostumado com a falta de luz, eu podia vislumbrar o rosto angelical que repousava ao meu lado. O rosto dele estava branco e azulado por causa da ausência luz e nele estava estampado um semblante feliz… despreocupado. O lençol cobria seu corpo da cintura para baixo e suas costas nuas estavam a mostra. Por mim, eu ficava passando a mão naquelas costas pelo resto da noite… mas eu não queria acordá-lo. Imagine só se desse a louca nele e ele quisesse transar de novo… não… melhor deixá-lo ali quietinho… dormindo tranquilo… haha…
Ele estava deitado de bruços e seu rosto estava virado para mim. Seus olhos estavam fechados e pareciam se mexer sob suas pálpebras. Talvez ele estivesse sonhando. Sua boca estava um pouquinho aberta e, no cantinho inferior, brilhava o que seria uma gotinha de baba. Vontade de beijá-lo era não faltava, mas eu não ia acordá-lo para isso. Mas que eu queria enfiar minha língua ali, eu queria… haha…
E ele respirava lentamente, como se tivesse todo o tempo do mundo para isso. Cada vez que ele exalava o ar de seus pulmões, eu sentia um ventinho cheiroso e inocente bater em mim, afinal, estávamos perto o bastante para isso.
Sua franjinha caía sobre sua testa como uma cachoeira de ouro derretido. Seus fios dourados claros ainda estavam um pouquinho molhados por causa do banho que tínhamos tomado há pouco.
Uma de suas mãozinhas, a que vestia o nosso anel, estava fechada sobre a cama e segurava um punhado de lençol. Observei seus dedinhos e como um deles se destacava sobre os demais por causa de um anelzinho prateado brilhante.
Nessa hora, retirei minha aliança e a ergui. Levantei meu braço, fechei um dos meus olhos e com o outro mirei o interior do anelzinho. “Lucas e Rafael”, estava escrito. Como eu amava esse pequeno detalhe. Algo no modo como soava dizer Lucas e Rafael em voz alta. Era tão… nós. Vesti novamente o anelzinho e ergui minha mão para observá-la de longe. Era lindo.
Para tentar dormir mais uma vez, me virei para ficar de bruços e de frente para o Rafa. Inconscientemente, minha mão se posicionou ao lado da dele. E cá estava eu… observando como nossas alianças ficavam lindas uma ao lado da outra.
Tentei dormir mais algumas vezes e por mais alguns minutos, até que eu ouvi a porta do chalé se abrir. Claro que estávamos no quarto, mas dava para ouvir alguém chegando na sala. Devia ser Gabriel… afinal de contas, ele não tinha chegado do seu encontro ainda.
― ―
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Alguns segundos depois, Gabriel apareceu no quarto com a lanterna do celular acesa. Nessa hora, eu me levantei para ficar sentado na cama.
― Foi mal! ― Ele disse baixinho achando que tinha me acordado.
― E aí… ― eu disse enquanto coçava um dos olhos.
― Já tô saindo… ― ele disse enquanto procurava alguma coisa na mala.
― Hum… vai aonde? ― Eu perguntei tentando puxar assunto.
― Comer alguma coisa… ― ele respondeu baixinho para não acordar o Rafa. ― Quer vir? ― Ele me convidou.
― Vai com a Jú? ― Perguntei. Afinal, eu não queria segurar vela.
― Não… ela já foi dormir…
― Ah… pode ser, então… estou sem sono mesmo… ― eu aceitei o convite.
Nessa hora, eu me levantei da cama e, por um instante, me esqueci de que estava só de cueca… e a luz do celular do Gabriel, que iluminava o quarto, fez questão de destacar a minha até então desconhecida ereção. Sim… eu estava com uma ereção fodida embaixo da cueca e nem tinha percebido. Gabriel bateu os olhos e um desconforto se instaurou em seu rosto.
― Erm… ― ele disse sem saber o que dizer.
Na mesma hora, eu olhei para baixo e percebi o que estava acontecendo. Mais que depressa, eu botei minhas duas mãos na frente do meu pau e Gabriel desviou a luz de mim, apontando-a para outro lado.
― Desculpa… ― eu disse. ― Vou vestir algo.
― Tudo bem… ― ele disse meio sem graça.
― Pode iluminar aqui rapidinho? ― Eu pedi para que pudesse procurar minha bermuda.
― Tá…
Ele voltou a apontar o celular para mim, iluminando minhas pernas nuas, e eu tentei achar uma bermuda o mais rápido possível. Apanhei uma da minha mala e vesti. Logo em seguida, vesti uma camiseta cavada e calcei meus chinelos.
― Pronto… ― eu disse me sentindo mais confortável.
― Vamos lá, então? ― Ele me chamou.
― Uhum… ― concordei.
Nós dois saímos do chalé e fomos até a piscina do hotel. Eu não sabia bem que horas eram, mas deviam ser umas três ou quatro da madrugada.
Na área da piscina do hotel, tinha um barzinho que ficava aberto até tarde. E, a esta hora da noite, não tinha mais ninguém ali, exceto os dois barmen que ficavam tomando conta do lugar. Quando chegamos, eles estavam conversando e falando mal do chefe. Foi então que Gabriel pediu um lanche e eu não quis comer nada. Não era a fome que tirava meu sono. Daí, depois que ele fez seu pedido, fomos nos sentar na beira da maior piscina que tinha ali.
À noite, as luzes da piscina eram acesas e água brilhava num tom de azul mais intenso. Eu e Gabriel nos sentamos na borda da piscina. Daí ele tirou os tênis e dobrou as calças até o joelho, para que pudesse mergulhar os dois pés na água. Eu achei engraçado e fiz o mesmo. Como já estava de bermuda, só precisei tirar os chinelos para poder botar os pés na piscina junto com ele.
― E aí… ― ele disse enquanto se ajeitava ali. ― Sem sono?
― Dá pra dormir com isso? ― Eu disse e ergui minha mão, para poder mostrar minha aliança para ele.
― Ficou bem em você. ― Ele me elogiou.
― Obrigado. ― Eu agradeci. ― Não quis fazer uma pra você também? ― Perguntei.
― Ah… que isso… ― ele disse sem graça. ― Eu e a Jú não estamos nesse nível ainda…
― Ah… um dia vocês chegam lá… ― eu disse sem saber o que dizer.
― ―
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― É… um dia a gente chega lá… ― ele concordou.
― Como foi o encontro? ― Perguntei.
― Foi bom… ― ele disse balançando os pés na água.
― Bom o suficiente para você acabar indo jantar sozinho? ― Perguntei indiscretamente.
― Ah… ― ele disse rindo sem graça. ― É que eu jantei faz muito tempo… e eu chamei a Jú para vir aqui, se é o que você quer saber… ela que não quis… mas às vezes é bom ficar sozinho um pouco, você não acha?
Tentei imaginar uma situação onde ficar sozinho era melhor do que ficar com o Rafa. Não achei, daí menti:
― É… às vezes, é melhor mesmo…
― Mas o encontro foi bom sim… a gente jantou… depois fomos numa balada… ficamos bastante…
― Legal… ― eu disse olhando para a água.
― E o seu encontro? ― Ele perguntou educadamente.
― Ah… foi legal também… ganhei isso… ― eu disse e mostrei minha aliança novamente.
― Gostou? ― Ele perguntou.
― Amei. ― Respondi satisfeito. ― Mas é bem pesado, sabe? Agora, eu meio que me sinto casado… ― confessei.
― É… não acredito que meu irmão se casou… e antes de mim, ainda… ― ele disse sorrindo e olhando para o céu.
― Ah… qual é… o Rafa é um fofo! Isso é totalmente aceitável. ― Defendi meu namorado enquanto girava meu anel sobre meu dedo.
― Um fofo? É… você realmente não conhece o lado arteiro dessa peste… teve sorte de ficar só com a parte boa dele… quando esse moleque era pequeno, era mimado pra porra…
Eu ri imaginando a cena.
― Quando ele era pequeno? Tá brincando? Ele ainda é mimado pra porra! ― Eu brinquei.
― É aí que você se engana… desde que ele começou a namorar você, ele melhorou bastante… muito mesmo… tipo… nossa… nunca imaginei que dar uns beijos faria tão bem para ele…
Eu ri.
― É sério! ― Ele reafirmou. ― Ele era muito mais mimado do que é hoje!
― Senti que alguém tem histórias pra contar… ― eu disse e dei um empurrãozinho no Gabriel.
― É… posso ter algumas… ― ele disse coçando a cabeça.
― Adoraria ouvi-las! ― Eu disse empolgado.
― Agora? ― Ele perguntou surpreso.
― Ué… não é como se nós tivéssemos muitas coisas pra fazer… ― tentei ser plausível.
― Ah… okay… bem… deixa eu pensar… ah… foi bem engraçado quando o Rafa nasceu…
― Engraçado como? ― Perguntei interessado.
― Hum… então… quando meus pais foram me contar que o Rafa estava a caminho, ou seja, quando minha mãe descobriu que estava grávida, sabe? Fizeram a maior propaganda do mundo para mim…
― Como assim!?
― Bem… eles disseram que eu poderia ter um irmãozinho para brincar comigo sempre que eu quisesse. Disseram que eu poderia ter um companheiro para jogar bola, para jogar videogame. Ah, você entendeu…
― Aham… ― eu concordei.
― ―
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― Daí, quando o Rafa chegou, a única coisa que eu ganhei foi insônia por causa do choro dele. Meu deus… como pode um bebê chorar tanto! E ele chorava muito! Todo dia, toda noite, toda hora…
― Deve ter sido difícil… ― tentei ser solidário.
― E foi… mas ele acabou crescendo e se tornando menos barulhento…
― Menos mal. ― Eu concordei rindo. ― Aí as coisas melhoraram? ― Perguntei.
― Pelo contrário… ― Gabriel disse rindo. ― Conforme ele foi crescendo, que ele foi aprendendo a brincar e tal, eu praticamente perdi a posse de todos os meus brinquedos… tudo que eu encostava a mão, o Rafa dizia que era dele… tudo… inclusive os meus brinquedos… imagine ser uma criança de oito anos que não pode brincar com seus próprios brinquedos porque seu irmão de quatro diz que são dele… e tudo era assim… tudo… brinquedos, videogames… Rafa queria tudo para ele… se eu pegasse alguma coisa, não importa o que fosse, ele tomava da minha mão gritando histericamente: “Solta! É meu! Solta! É meu!”… ― Gabriel imitou os gritinhos do Rafa ao dizer isso.
― Nossa… e como você conseguiu sobreviver assim? ― Perguntei.
― Bem… conforme fui crescendo, eu fui ficando mais esperto… sempre quando eu ia brincar com algum brinquedo, eu brincava com um que eu não queria antes… daí o Rafa fazia birra para que eu desse para ele e eu acabava dando o brinquedo chato e ficando com o brinquedo legal… e é claro que ele não sabia disso…
― Nossa… ele parecia ser bem irritante…
― Ah… ele não fazia por mal… coisa de criança sem noção, eu acho… mas ele foi assim até os sete… depois ele foi ficando mais maduro e mais na dele… foi descobrindo o videogame… o computador… enfim… foi melhorando…
― Entendi… ― eu assenti.
― Pois é… mas ele era bem mais birrento antes de conhecer você… eu só não sei se foi a idade que o corrigiu ou se foi você… mas o mais provável é que tenha sido você…
― Me sinto lisonjeado… ― eu agradeci rindo.
― Devia… fez um ótimo trabalho domando a fera…
― Eu tento, de vez em quando… ― eu disse dando de ombros. ― E vocês… brigavam muito? ― Perguntei.
― Ah, hoje, nem tanto… mas, antigamente, quando eu era menor, a gente brigava bastante…
― Vocês se batiam? ― Perguntei imaginando a cena.
― Assim… o Rafa sempre foi um cagão pra me bater… era eu que sempre batia nele… até porque eu era maior e mais forte… e ele sempre foi uma criancinha frágil… mas, quando eu fiz uns doze anos, eu parei de bater nele… até porque eu amadureci e percebi que as coisas não se resolviam na base da porrada… e foi bem nessa época que ele começou a ter coragem de me bater… daí ele sempre me batia e eu nunca revidava… e ele se sentia o fodão, achando que estava me intimidando, mas era só eu levantar o braço que ele saía correndo feito uma gazelinha assustada…
― Gazelinha assustada!? ― Eu exclamei rindo. ― Engraçado. Nem parece que estamos falando do mesmo Rafa…
― É… ele é bem covardão… não se engane pela postura de machão dele…
― Que fofo… ― senti meus olhos brilharem.
― Pois é… e, quando ele fez uns dez anos, ele entrou naquela fase de gostar de cor-de-rosa e não contar pra ninguém…
― Ouch… que forma delicada de se dizer… ― eu disse sendo irônico.
― ―
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― Ah não! Não foi um eufemismo pra “gostar de meninos”. Foi realmente uma fase onde ele começou a gostar de rosa.
― O Rafa não gosta de rosa… ― argumentei.
― Você que pensa… certo dia, eu comprei um estojo de canetas coloridas e… adivinhe qual cor sumiu!
― Ele não fez isso… ― eu disse tendo um ataque de risos.
― É… ele roubou minha caneta cor-de-rosa…
― Tá falando sério!? ― Eu perguntei indignado.
― Queria estar brincando, mas não estou…
― É só que… ele nunca admitiu para mim que gosta de rosa… não diretamente, pelo menos…
― É… talvez ele tenha vergonha de admitir… sei lá…
― Vergonha de mim? Ele já admitiu coisa pior…
― Você conhece o Rafa, Lucas… você sabe que esse é o tipo de coisa que ele faria.
― É… talvez você tenha razão…
― E você já deve ter visto a coleção de cuecas cor-de-rosa que ele tem… ― ele disse rindo.
― Pode apostar que eu já vi… ― eu disse rindo timidamente.
― Pois é, mas… continuando… eu não deixei barato essa história de perder minha caneta. Eu já desconfiava que o Rafa a tinha roubado, mas… eu só não esperava que ele a tivesse pego para fazer o que ele fez…
― E o que ele fez com a sua caneta!? ― Perguntei com um pouco de receio.
― Ele a usou! ― Gabriel respondeu fazendo drama.
― Usou!? ― Questionei assustado. Afinal, o que ele queria dizer com “a usou”!? ― Tá dizendo que ele enfiou sua caneta lá? ― Perguntei colocando a mão na boca.
― Lá aonde!? ― Gabriel perguntou confuso.
Nessa hora, eu comecei a ficar vermelho, pois sabia que tinha falado merda. Quando o Gabriel disse que o Rafa tinha usado sua caneta, com certeza ele quis dizer que o Rafa, literalmente, tinha usado sua caneta… para escrever no caderno e tal… só que o problema é que minha mente poluída tinha entendido outra coisa… e, por causa disso, eu tinha falado merda… e, agora que nós dois tínhamos percebido isso, estávamos completamente sem graça.
― E-Eu… eu… eu espero que não… eu acho… ― Gabriel disse coçando a cabeça.
― E é claro que não foi isso que você quis dizer… ― eu disse ficando vermelho. ― Podemos fingir que isso nunca aconteceu?
― Claro… ― ele concordou sorrindo.
― Tá… continua… por favor… ― eu pedi.
― Tá… então… aí eu fui mexer nas coisas dele… e imagine minha surpresa ao encontrar…
― Um diário… ― eu o interrompi.
― Exato. Ainda bem que você já sabe que ele tem um diário… porque eu acabei de perceber que poderia ter te contado um segredo que não era meu…
― É… eu sei que ele tem um diário… ― Eu disse olhando para a água.
― Chegou a ler? ― Ele perguntou.
― Não… na verdade, não… ― eu disse. Até porque eu não tinha lido tudo, só algumas partes.
― Sério? ― Ele perguntou.
― Sério, por que? Eu devia lê-lo?
― ―
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― Não sei… tem muita coisa engraçada lá, mas são engraçadas porque são constrangedoras, então… não sei se você aproveitaria tanto quanto eu…
― Você já leu!? ― Eu perguntei surpreso.
― Tá brincando? Eu leio sempre que posso…
― Ele sabe disso? ― Perguntei.
― Nem desconfia…
― Isso… é errado, não é? ― Perguntei me sentindo um pouco culpado.
― É… mas como eu sou o irmão dele, então eu posso… faz parte do meu trabalho de irmão mais velho… você vai entender um dia…
― Que horror… eu espero que não…
Por um lado, eu sabia que era errado invadir a privacidade do Rafa, mas… saber que Gabriel tinha conhecimento de tudo que havia naquele diário… era no mínimo tentador questioná-lo…
― Ele escreveu algo sobre mim? ― Perguntei já sabendo a resposta.
― Sobre você? ― Gabriel olhou para baixo e fez uma cara triste. ― Sobre você, não… mas sobre sua bunda…
― Ei! ― Eu gritei e dei um tapinha no braço dele. ― Eu quase acreditei! ― Me fingi de bravo.
― Brincadeira… é claro que ele fala sobre você, né… acho que você é uma das pessoas mais importantes da vida dele, senão a mais… então, eu ficaria assustado se ele não falasse…
― E ele fala coisas… tipo… inapropriadas? Se é que você me entende… ― perguntei.
― Não… na verdade, é bem soft… ele escreve mais pensamentos e reflexões sobre a vida… não tem quase nenhuma pornografia…
― Quase nenhuma?
― Nenhuma… eu quis dizer… ― ele se corrigiu.
― Sei… ― eu disse desconfiado.
― Então… mas, como eu estava dizendo, fui procurar minha caneta nas coisas do Rafa e achei um diário repleto de pensamentos escritos em rosa… imagine minha reação…
― Isso foi quando mesmo?
― Quando ele tinha uns dez anos… ou nove… não me lembro bem…
― E o que você pensou?
― O que eu pensei? Eu não sabia bem o que pensar… eu tinha uns quatorze anos e estava começando a achar que tinha um irmão gay, então… não pensei muito… e minha relação com o Rafa não mudou…
― Você chegou a conversar com ele sobre isso?
― Não… na verdade, acabei deixando a caneta com ele… para que ele não soubesse que eu mexi nas suas coisas… não sei se foi a coisa certa a se fazer, mas… se fosse hoje, eu acho que tentaria conversar com ele a respeito…
― Entendo…
― Mas tipo… isso também poderia não significar nada, sabe? Às vezes, ele teria apenas pego uma caneta aleatória no meu estojo… e, às vezes, ele poderia ter escrito aquelas coisas porque simplesmente tinha o dom para isso… tudo poderia ser mera coincidência… então… não era tão simples conversar com ele a respeito disso…
Eu assenti com a cabeça e continuei ouvindo ele falar.
― E tipo… também poderia acontecer de eu estar disposto a ouvi-lo e ele não estar disposto a falar… seja por medo, por vergonha ou simplesmente por não estar pronto ainda… então… era uma situação complicada…
― Complicada é pouco… ― eu tentei ser simpático.
― ―
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― Né!? Enfim… eu deixei quieto toda essa história da caneta… cheguei até me esquecer dela por um tempo… até porque, quando ele fez onze anos, acabei descobrindo que ele não era mais BV… então… fiquei mais tranquilo, afinal… se meu irmão estivesse ficando com meninas, era claro que ele não era gay nem nada do tipo… pelo menos era isso que eu achava, né…
― Justo… ― eu concordei.
― É… mas aí, com o passar do tempo, ele foi passando cada vez mais tempo no computador, se é que você me entende…
― Ouch…
― Pois é… então eu acabei deixando passar essa história do diário, até que certo dia… certo dia, eu entrei no quarto dele e o flagrei vendo… erm… coisa de adultos…
― Você quer dizer coisa de adultos gays? ― Perguntei rindo.
― É… tipo isso… quando eu entrei, ele fechou a janela do computador imediatamente, mas deu para ver o que ele estava vendo, então…
― E aí?
― E aí que não tinha como disfarçar, né… ele viu que eu vi o que ele estava vendo… daí eu perguntei se ele queria conversar a respeito… ele disse que não… daí eu disse para ele que não via problema nisso, até porque, nessa época, eu já tinha ficado com um garoto antes… daí eu disse que…
― ESPERA! ― Eu o interrompi.
― O que foi!? ― Ele perguntou surpreso.
― Espera… espera que eu buguei… ― eu disse confuso.
― Eu disse alguma coisa demais? ― Ele perguntou mais confuso ainda.
― V-Você… você disse que já ficou com um menino?
― Ops… eu disse? Foi sem querer…
― Espera… espera… espera que eu estou muito confuso aqui… ― eu disse piscando várias vezes para ver se não estava sonhando. ― Você já ficou com um menino?
― Erm… pior que sim… ― ele disse coçando a cabeça.
― Caralho… pera… pera que agora eu tô muito confuso… v-você… Gabriel… já ficou com um menino? Menino? Me-ni-NO!?
― Mas foram só algumas vezes…
― ALGUMAS VEZES?
― Com o mesmo menino, eu quero dizer…
― ALGUMAS VEZES?
― É… algumas vezes…
― Não acredito nisso… o Rafa sabe?
― Nem sonha… ― ele disse olhando para baixo.
― O que!? Quando!? Como!? Por que!? Como assim!? ― Gritei.
― Não foi nada demais…
― NADA DEMAIS!? Você só precisa beijar um menino uma única vez para já ter beijado um. É uma linha que você só precisa cruzar uma vez para estar do outro lado! E não tem volta! Pode começar me contar essa história direito! ― Pedi.
― Se eu contar, você promete parar de fazer esse drama todo? ― Ele perguntou.
― Drama!? DRAMA!? Você acabou de dizer que ficou com um garoto!
― É… e daí… nada que você já não tenha feito… e você está fazendo tempestade em copo d’água, até porque, não foi grande coisa… foi só uma ficada… nada demais…
― Uma ficada!?
― Tá… algumas…
― Ah… qual é… não é possível…
― ―
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― Vai me deixar contar, ou não!?
― Conta! ― Pedi. ― Estou implorando…
― Tá… foi assim… quando eu tinha treze anos, eu fui fazer um trabalho na casa de um amigo… e, nesse dia, estavam: Eu, esse meu amigo e mais uma amiga nossa…
― Foi com ele que você ficou? ― Perguntei.
― Foi… ― ele começou dizendo. ― Tudo começou quando essa amiga minha nos contou que as meninas da nossa sala praticavam beijo umas com as outras… e que era assim que elas aprendiam a beijar bem… daí, nesse mesmo dia, quando terminamos o trabalho, ela acabou indo embora e me deixando sozinho com esse meu amigo…
― Ele tinha um nome? Esse seu amigo…? ― Perguntei.
― Daniel… ― ele respondeu timidamente.
― O Rafa o conhece? ― Perguntei.
― Conhece sim… ele já foi lá em casa alguma vezes.
― Tá… continua…
― Então… aí nós ficamos sozinhos e ele perguntou se eu queria… praticar…
― Oh meu deus… sério que isso aconteceu!?
― Pois é… e eu, muito inocente, achei que ele só quisesse praticar mesmo…
― E ele queria mais que isso?
― Sim… percebi isso na segunda vez que nos beijamos… bem… na primeira, foi bem rápido e estranho… não sei dizer se foi bom… acho que foi mais estranho do que bom… enfim… em um outro dia, que tivemos oportunidade, demos o nosso segundo beijo… esse foi melhor… estávamos mais à vontade um com o outro e mais confortáveis com a ideia… daí fluiu melhor… nos beijamos por uns dez minutos na cama dele… foi bom… até ele dizer que achava que estava gostando de mim…
― Eita…
― Nessa hora, eu fiquei bem confuso e com medo… daí acabei indo embora às pressas da casa dele. Imagine você ser um garoto de treze anos hétero, ingênuo e inocente e receber uma declaração de um outro menino… eu fiquei confuso… algo me dizia que o que estávamos fazendo não era certo… e eu não tinha ninguém para conversar a respeito…
― Complicado…
― É… bastante… mas, com o tempo, fui me acostumando com a ideia… fui conhecendo o outro lado da moeda… eu acabei tendo que explicar para ele que eu não queria um relacionamento sério e nem nada do tipo… e que eu só tinha aceitado ficar com ele, porque achei que ele quisesse praticar…
― Nossa… tadinho, Gabriel… deve ter sido difícil para ele…
― É… ele ficou triste… bem triste… mas, nesse dia, antes de conversar com ele, eu estava afim de ficar com ele de novo… e foi o que eu disse pra ele… que, se ele quisesse, a gente podia ficar mais uma vez… só que, dessa vez, não seria para praticar…
― Meu deus… isso foi tão… romântico… e vocês ficaram?
― Ficamos… ficamos mais essa vez…
― E essa foi a última vez que vocês ficaram?
― Não… ficamos mais uma vez depois dessa… aí sim foi a última…
― Nossa… estou impressionado com sua história…
― Que bom que gostou…
― Não acredito que você beijou um menino antes do Rafa… ― eu disse incrédulo.
― É… irônico, não? ― Ele disse rindo.
― E o que aconteceu com seu amigo? Daniel…
― ―
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― Ah… as coisas começaram a ficar estranhas entre nós… sempre quando nós nos encontrávamos, não sabíamos como nos comportar… era sempre estranho… daí nossa amizade foi esfriando e… nunca mais falamos sobre isso… daí nós dois acabamos saindo da Nova Aliança e…
― Droga… isso me assusta pra caralho… ― eu o interrompi.
― O que foi? ― Ele perguntou preocupado.
― Desculpa… é só que… ― mas eu não consegui terminar.
― Pode falar, Lucas… guardar para si é pior…
Daí eu respirei fundo e disse:
― Eu tenho muito medo disso… que você falou… das coisas esfriarem… entre mim e o Rafa… ― desabafei.
― E você acha que isso pode acontecer?
― Não sei… e, sinceramente, não faço a menor ideia… eu sei que é impossível isso acontecer hoje ou amanhã… mas, no futuro… quem sabe? E, mesmo que nós continuemos juntos, o nono ano vai chegar… a Nova Aliança vai acabar pra gente… o Rafa vai estudar numa escola boa… e eu não… e o que será de nós a partir daí? Eu não vou deixar ele estudar numa escola pública só para ser da minha sala! Assim como eu também não vou deixar que ele pague meus estudos numa escola particular… até porque, isso seria demais para nós. Então… o futuro me assusta pra caralho…
― Hum… olha, eu entendo sua dor, Lucas… mas… sinceramente? Vocês estão no sexto ano… agora sétimo… vocês ainda têm três anos pela frente… é um futuro muito distante… e, na pior das hipóteses, mesmo se vocês estudarem em escolas diferentes, e daí? Pense em quantos namorados estudam na mesma escola e na mesma sala! Agora pense em quantos não! Isso não é um pré-requisito para que o namoro de vocês exista! E daí que vocês vão estudar em escolas diferentes!? Vocês vão se ver menos, claro, mas isso não significa que vão se gostar menos…
Fiquei muito mais aliviado ao ouvir isso. Era exatamente o que eu precisava ouvir agora. Talvez essa fosse a verdade e eu é que era imaturo demais para não ter percebido isso antes.
― Você… tem razão… eu acho… ― eu disse mais animado.
― E, há quanto tempo você está com o Rafa?
― Estamos juntos oficialmente faz três meses, mas… ele é meu melhor amigo desde agosto…
― Então… vocês se conhecem faz relativamente pouco tempo, não é? Eu, sinceramente, não acho que você deva se preocupar com o futuro… vocês ainda estão só começando o namoro, eu espero…
― É… acho que sim… acho que era exatamente isso que eu queria ouvir… obrigado…
― Que isso… nada que você não diria pra mim… ― ele disse sorrindo.
― Tá… desculpa interromper… ― eu disse. ― Você estava falando sobre seu amigo…
― Ah… mas foi basicamente isso que aconteceu… não sei se tenho mais coisas pra falar dele…
― Hum… deixa eu ver… ele era bonito? ― Perguntei.
― Era… normal… eu acho… não sei… feio ele não era…
― Hum… acho que entendi… ― eu disse rindo.
― É… acho que sim…
― Então… voltando para o Rafa…? ― Eu sugeri.
― Ah… tá… claro… onde estávamos? ― Ele perguntou.
― Na parte que você flagra ele vendo pornozinho…
― Ah… sim… é… pois é… então… daí eu perguntei se ele queria conversar a respeito, né? Ele disse que não… aí eu disse que estava tudo bem… que não via problemas nisso…
― ―
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― Até porque você já tinha ficado com um menino… ― eu completei.
― Sim. Até porque eu já tinha ficado com um menino. ― Ele concordou. ― Aí eu disse que não ia comentar nada com nossos pais, que eu não ligava, que eu também fazia isso de vez em quando e, que se ele gostasse do que estava vendo, eu não via problema… daí ele ficou todo enrolado e começou a se esquivar, dizendo que não era gay nem nada do tipo… que acabou parando naquele vídeo sem querer… enfim… ele fugiu do assunto e não quis mais conversar comigo a respeito… mas eu não o culpo… imagine-se no lugar dele…
― Não preciso me imaginar… já vivi coisa parecida… ― eu disse rindo.
― Já te pegaram com a mão na massa? ― Ele perguntou curioso.
― Ah… não… não com a mão na massa… quer dizer… não antes do Rafa…
― Como assim? ― Ele perguntou confuso.
― Olha… que isso fique só entre nós, mas… minha mãe já me flagrou com o Rafa… num momento de intimidade…
― Caralho… ― ele disse e começou a rir. ― Sério?
― Sim… foi pesado, esse dia…
― Imagino… ela ficou brava?
― Brava não, mas ela ficou bem desapontada porque… droga… porque é que eu fui tocar nesse assunto…?
― Hahaha… ― ele riu. ― Ficou desapontada por que?
― Olha, não ria, por favor… mas ela disse, com essas palavras, que ainda tinha esperanças de que o filho fosse o homenzinho da relação…
Nessa hora, Gabriel caiu na gargalhada.
― Ei! Para! Eu pedi para que você não risse! ― Eu disse rindo junto.
― Sério que ela disse isso? ― Ele perguntou morrendo de rir.
― Sim… foi tenso… mas depois ela nos deixou em paz…
― E o Rafa, nessa história toda?
― Ah… o que você acha? Ele não consegue olhar na cara da minha mãe até hoje…
― Meu deus… que constrangedor…
― Né? Mas… fora isso… ninguém nunca me pegou com a mão na massa não…
― Entendi… ― ele disse ainda sorridente.
― E quanto a você? ― Perguntei. ― Já te pegaram?
― Ah… eu!? Não… nunca… acho que sempre fui um cara cuidadoso… ― ele se gabou.
Pelo menos era isso que ele achava, né? Mas… cá entre nós… eu já tinha flagrado ele alguns dias atrás… com a Juliana… nada que ele devesse saber…
― Entendi… ― eu disse.
Daí nós fomos interrompidos pelo garçom, que trouxe o lanche do Gabriel. Assim que ele saiu, Gabriel me ofereceu um pedaço:
― Aceita?
― Não, obrigado… ― eu recusei educadamente. ― Estou bem cheio… ― eu disse e bati na minha barriga.
― Ah é, quase me esqueci de que sua barriguinha é minúscula… ― ele disse me zoando.
― Ei! ― Eu reclamei. ― Nem é! Você precisa me ver com fome! ― Eu me defendi rindo.
Quando ele deu a primeira mordida no lanche, eu perguntei:
― O Rafa é muito sortudo de ter você como irmão… acho que você é responsável por boa parte da autoconfiança dele…
― Como assim? ― Ele perguntou.
― Ah… imagine se ele não tivesse um irmão que o apoiasse… imagine se fosse o contrário… se você o repreendesse desde pequeno para que ele não manifestasse esse… lado
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“cor-de-rosa” dele… ― eu disse fazendo sinais de aspas com os dedos. ― Você acha que ele teria uma autoestima tão alta assim? Eu duvido…
― É… acho que você tem um ponto… ― ele concordou comigo.
― Minha família nunca foi muito receptiva às coisas alternativas, sabe? Meu pai sempre foi muito conservador e, minha mãe, em parte, sempre concordava com ele… então… eu, até agora, não sei como minha mãe conseguiu me aceitar…
― Talvez ela tenha percebido que opção sexual não é lá grandes coisas…
― Talvez… ― eu concordei. ― Só tenho a agradecer aos céus por isso… não sei o que faria se ela me obrigasse a terminar com o Rafa…
― Ela tem esse poder sobre você? ― Ele perguntou.
― Ei… não é como se eu tivesse um lugar pra morar… se eu fosse expulso de casa, eu acabaria na rua… meus parentes vivos mais próximo estão a uns mil quilômetros de casa… e nada garante que eles me aceitariam também, então…
― Nossa… complicado…
― Pois é, mas… como estava dizendo, o Rafa tem sorte de te ter como irmão… gostaria de ser um irmão tão bom quanto você…
― Nossa… é mesmo, né!? Você já sabe quando ela vai nascer? ― Ele perguntou curioso.
― Por volta de maio ou junho… mais ou menos…
― E vocês já têm um nome!?
― Não… minha mãe me encarregou de escolher, mas… sinceramente, eu não tenho a menor ideia de por onde começar…
― Gosta de alguma letra?
― Letra? Não sei… por que!?
― Sei lá… às vezes, você pode colocar algum nome com L, igual ao seu… Larissa… Lívia… Letícia… ― ele sugeriu.
― Não sei… nenhum nome me chamou atenção ainda…
― Haha… você vai pensar em alguma coisa até lá… ― ele me encorajou.
― É… eu acredito que sim… ― eu concordei. ― Alguma dica? De como ser um bom irmão? De irmão mais velho pra irmão mais velho?
― Ah… bom… eu diria que… deixa eu ver… seja amigo dela, antes de qualquer coisa… tenha em mente que, durante a maior parte da infância, você será o exemplo dela pra tudo… ela sempre vai olhar pra você e pensar em você antes de fazer qualquer coisa… vai buscar sua aprovação pra tudo, então… saiba usar isso direitinho, para educá-la e fazê-la crescer de forma saudável…
― Muita responsabilidade… ― eu disse franzindo a testa.
― Um pouco… mas… sei lá… brinque bastante com ela, mas chame atenção, quando necessário… senão ela vai crescer uma criança mimada…
― É… tem razão…
― E… acho que, em alguns momentos, você vai desejar que ela nunca tenha nascido, mas… e em outros… que são maioria… você não vai acreditar que conseguiu viver sua vida até ali sem ela… sem sua irmã…
― Uau… ― eu disse sem fôlego.
― O que!? ― Ele perguntou tímido. ― Exagerei?
― Um pouco… ― eu disse rindo.
― Foi mal… ― ele disse coçando a cabeça.
― Você realmente se sente assim? Quando pensa no Rafa?
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― Ah… sei lá… às vezes… no geral, eu gosto dele… só não conta isso pra ele… ― ele disse rindo. ― Nós nos damos bem… e eu aprecio isso… quando ele é chato, ele consegue ser muito chato, mas… ele está melhorando com o tempo…
― Você é um fofo. ― Eu o elogiei. ― Igual seu irmão.
― Valeu… eu acho… ― ele disse sem graça. ― Mas você vai ser um ótimo irmão mais velho, Lucas… eu tenho certeza disso…
― Ah é? Como sabe?
― Você aguenta o Rafa… ― ele argumentou logicamente.
― Hahaha… ― eu ri.
― Se você aguenta aquela peste, você vai aguentar qualquer outra…
Nós dois rimos. Ele continuou comendo seu lanche e eu continuei olhando para a água da piscina, admirando parte do meu reflexo.
― Você se considera um irmão superprotetor? ― Eu perguntei.
― Nossa… foi longe agora, hein!? ― Ele respondeu surpreso. ― Superprotetor?
― É… superprotetor…
― Por que? Você me acha superprotetor? ― Ele perguntou.
― Você mandou um cara pro hospital por causa do Rafa… ― eu argumentei.
― Ah… qual é… nada que você não faria pela sua irmão… e, além do mais, aquele idiota mereceu… ― ele se defendeu.
― Ô se mereceu… ― eu concordei.
― Mas… superprotetor? Não sei… posso ser, às vezes… sei lá… o Rafa sempre foi meio carente de atenção e de proteção, de qualquer forma…
― Posso te perguntar uma coisa? Sem ressentimentos… ― eu comecei.
― Nossa… sem ressentimentos? Senti que vem bomba…
― É só que… às vezes… eu te acho muito superprotetor… comigo…
Quando eu disse isso, ele fez uma cara de surpreso.
― Ah, qual é! ― Ele disse e olhou para o outro lado.
― Por que? ― Eu perguntei me referindo ao fato dele ser superprotetor comigo.
― Eu não sou… superprotetor… com você… quer dizer… eu sou superprotetor com você… mas eu sou assim com todo mundo… e não só com você… eu acho… você acabou de dizer que eu sou superprotetor com o Rafa… o que você quer dizer com essa pergunta, de qualquer forma?
Eu comecei a rir da forma como ele ficou embaraçado.
― Relaxa… eu meio que gosto… ― eu confessei. ― É bom ser mimado de vez em quando…
― Eu não te mimo! ― Ele se defendeu.
― É… sou eu quem te mima, né… ― eu respondi ironicamente.
― Ah… qual é! ― Ele tentou se resguardar.
― Você quis passar protetor solar em mim, aquele dia… ― eu argumentei.
― E daí!? ― Ele exclamou. ― Eu só queria ajudar…
― E o dia em que eu machuquei meu pé? ― Eu o questionei.
― Ah… só porque eu fiz um curativo em você!? ― Ele se defendeu.
― Você me carregou no colo… ― eu acrescentei.
― Você podia ter pego uma infecção, se encostasse seu pé no chão!
― E minha ressaca?
― Só porque eu te ofereci um copo d’água? ― Ele se defendeu novamente.
― Você me botou pra dormir sem camiseta…
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― Tá… okay… eu admito… eu posso estar sendo um pouco superprotetor… e daí? Aonde você quer chegar?
― Me diz você. ― Eu respondi.
― Tá… eu realmente não sei o que você quer que eu diga agora…
― Relaxa! ― Eu disse rindo. ― Tô só zoando com a sua cara… e, como eu disse, eu gosto de ser mimado às vezes…
― Desculpa se eu estou sendo muito protetor com você, nunca foi minha intenção… é só que… você me preocupa às vezes…
― Sério? ― Eu disse surpreso. ― Sério que eu te preocupo às vezes? Por que você fica preocupado comigo?
― Olha… você tá viajando sozinho, sem a sua família e com a família do seu namorado… às vezes eu acho que eu sou a única pessoa nessa família que percebe o seu desconforto…
― Ah… eu já me acostumei com a ideia… e, além do mais, não há nada que eu possa fazer para ir contra as vontades do Rafa… se ele fica feliz comigo aqui, eu fico feliz…
― É… o Rafa consegue ser um problema às vezes… lamento que ele não esteja prestando no seu desconforto… ou que esteja apenas fingindo que não está…
― Relaxa… ― eu o tranquilizei. ― Não é nada demais…
― Eu espero que não…
― Obrigado por se preocupar… ― eu o agradeci. ― Mas eu estou bem, sabe? Às vezes eu penso que… sei lá… poderia ser muito pior…
― Tá… desculpa se estou sendo muito… superprotetor…
Ficamos em silêncio por um instante. Daí eu pensei em algo e disse:
― Mas… ei… Gabriel… você trouxe a Juliana, certo?
― O que tem? ― Ele perguntou.
― É só que… você não me parece tão preocupado com ela assim…
― É que ela sabe se cuidar… ― ele respondeu tentando ser lógico.
― E eu não? ― Eu o questionei.
― Não foi isso que eu quis dizer… é só que… às vezes, você me parece muito indefeso e inofensivo…
― INDEFESO E INOFENSIVO!? ― Eu reclamei. ― Ei! Só porque eu sou pequeno assim, não significa que eu seja inocente… eu sou um pequeno muito perigoso, se é o que você quer saber… ― eu disse brincando e apontando o dedo para ele como se fosse uma faca.
― É… eu acredito que sim… foi mal… ― ele se desculpou. ― Não me mate!
Continuamos ali rindo por mais alguns segundos, até que Gabriel terminou de comer seu lanche e disse:
― E aí… quer voltar?
― É… pode ser… ― eu concordei.
― Já está com sono? ― Ele perguntou.
― Não sei… acho que não…
― Se quiser, posso cantar algumas músicas de ninar até você dormir… ― ele disse me zoando.
― Aff… fala sério… ― eu reclamei.
Depois disso, nós dois nos levantamos e nos arrumamos para ir embora. Querendo ou não, meus dedos do pé acabaram enrugando por causa do tempo que ficaram na água. Mas, apesar disso, eu tinha gostado da minha conversa com Gabriel. Eu sentia que tínhamos nos tornado muito mais próximos… muito mais amigos…
Nem preciso dizer que eu estava muito mais calmo em relação ao meu futuro com o Rafa, afinal… Gabriel tinha razão. Talvez eu estivesse me preocupando à toa… talvez a nossa
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relação estivesse apenas começando… eu só sei que agora eu podia repousar minha cabeça no travesseiro e dormir tranquilamente. Talvez até mais tranquilo que o próprio Rafa, que por falar nele, agora que tínhamos voltado para o quarto, pude voltar a me deitar com ele. Ele continuava ali no seu lado da cama de casal… dormindo tranquilamente… após uma longa noite perfeita comigo… ele não chegou a acordar quando nós chegamos… continuou ali deitado, respirando lentamente e sonhando com os anjos…
Quando me deitei com ele, dei-lhe um beijinho na cabeça e senti o delicioso cheiro dos seus lindos cabelos dourados. Cheiravam a paz, a inocência e, acima de tudo, a menino…
Me ajeitei ao seu lado e passei meu braço sobre seu corpo, que estava seminu e um tanto quanto suado, por causa do calor. Me aconcheguei atrás dele e encostei meu nariz no seu pescoço.
― Boa noite. ― Ouvi Gabriel dizer da cama de solteiro para mim.
― Boa noite. ― Eu respondi contente.
Daí fechei os olhos, abracei meu Gatinho e tentei, mais uma vez, pegar no sono.