Nesse mesmo dia, fizemos nosso tour pela cidade. Descobrimos que, bem do lado do hotel, havia um calçadão infinitamente extenso. Ele se seguia pela orla e era povoado por barzinhos e barraquinhas bem arrumadas. Algumas já até decoradas para o natal…
Era no mínimo estranho ver uma cidade tão verônica ser decorada com meias de natal e bonecos de neve… mas o mais legal eram os enfeites de galinhas vestidas com gorro de papai Noel. Enfim… conhecemos um pedacinho da cidade. Foi bem divertido.
Isso tudo aconteceu na quinta-feira. Na sexta, fomos visitar o aquário da cidade. Nunca tinha ido a um aquário antes… a última coisa que eu imaginei que fosse ver nessa viagem, era um pinguim. Já no sábado, passamos o dia na praia mesmo… sem muita novidade.
Hoje, que era domingo, tínhamos ido andar de Buggy nas dunas de areia da praia. Foi uma experiência fantástica. Andar num carrinho off-road no meio do nada… ver os cabelos do Rafa voando com o vento… foi simplesmente demais.
Depois do nosso passeio radical, passamos o finzinho da tarde na praia e agora cá estávamos nós… voltando para o hotel enquanto o sol se punha nesse domingo mágico.
Acontece que… no caminho de volta, os pais do Rafa nos surpreenderam com uma proposta inesperada.
― Então, meninos… ― Seu Danilo começou dizendo. ― Eu e sua mãe vamos sair hoje, pra comemorarmos nosso aniversário de casamento.
― E pra onde vamos? ― Rafa perguntou.
― Eles vão sozinhos, idiota! ― Gabriel disse dando um tapinha na cabeça do irmão.
― Ah… ― Rafa disse se tocando.
― Então… é que eu e sua mãe queríamos tirar um tempinho só pra nós. Então pensamos que vocês poderiam… talvez ir ver um filme hoje… ou algo assim… o que acham?
― Pode ser! ― Gabriel concordou.
Rafa, percebendo que o irmão se animou com a ideia, disse:
― Tudo bem! Pode ser também!
― Ótimo! ― Seu Danilo disse. ― Se vocês quiserem ir ao shopping daqui da cidade, o Gabriel vai com vocês, viu, meninos?
― Tá… ― Rafa concordou.
― Ou se quiserem ver aqui na TV do hotel mesmo… vocês que decidem…
― Tá… ― Rafa concordou novamente.
― Mas, Gabriel… ― Seu Danilo disse. ― É pra você ficar de olho nos meninos, viu!? E, se forem sair pra rua, não desgrude deles… você vai estar responsável pelos dois… entendeu?
― Tá, pai…
― Estou falando sério… não quero ninguém perdido por aí, certo?
― Sim… claro! ― Ele concordou.
― Tudo bem então…
― E pra onde vocês vão? ― Gabriel perguntou aos pais.
― Vamos a um show que vai ter aqui na cidade. De música havaiana.
― Hum… entendi…
Já eram umas sete da noite. Continuamos caminhando até chegarmos no nosso chalézinho. Eu, Rafa e Gabriel entramos e, assim que fechamos a porta, Rafa disse:
― Que filme você quer ver, mano?
― Hã? Que filme? ― Gabriel disse enquanto caminhava para o banheiro.
― O filme, ué… ― Rafa tentou parecer lógico.
― Não vamos ver filme. Eu vou sair com a Juliana.
― ―
566
― O que!? ― Rafa exclamou. ― Ah… fala sério… e pra onde vocês vão? ― Ele disse enquanto entrávamos no quarto.
― Vamos numa festa.
― Aff… a gente pode ir também? ― Ele pediu.
― O que!? Não! Claro que não! Vocês nem podem entrar!
― Ah não… então leva a gente no cinema, pelo menos…
― Aff, Rafael… nem começa…
― O que? Você vai deixar eu e o Lucas aqui de novo? A gente quer sair também! Não queremos ficar aqui no hotel de novo!
Eu, particularmente, não me importava… eu até preferia… ter um tempo sozinho com o Gatinho num hotel quatro estrelas… não era uma oferta ruim… mas não me pronunciei… deixei o Rafa resolver a situação.
― Olha, Rafa… eu vou sair com a Jú e não quero saber. Vocês podem assistir um filme aqui no hotel mesmo. Tem TV, tem comida, vocês vão sobreviver muito bem.
― Então vou contar pro papai.
― Aff… você não faria isso.
― Faria sim.
― Aff… puta que pariu… olha… okay… okay… você ganhou. Aff… não acredito que eu vou fazer isso. ― Gabriel disse e colocou a mão na cabeça. ― Olha, quando eu e a Jú saímos por aí na cidade, nós passamos em frente a um lugar cheio de molecadinha… parecia ser um lualzinho mirim… se vocês quiserem, posso levar vocês dois lá… só tem pirralhada, então com certeza vocês dois vão gostar…
― Ei! ― Rafa reclamou. ― Mas pirralhada que você diz não são crianças não, né?
― Não… é pirralhada da idade de vocês… adolescentes imaturos e sem juízo na cabeça…
― Você não vai levar a gente no playground não, né?
― Não, seu idiota!
― Porque se você levar a gente num…
― Não! Não vou levar vocês no playground, porra…
― Tá… okay… pode ser, então…
― Você não vai nem perguntar se o Lucas quer ir? ― Gabriel disse e olhou para mim.
Porra! Obrigado, Gabriel. Pelo menos alguém que se preocupa comigo.
― Ah… ― Rafa disse sem graça. ― Você quer ir, Lucas?
― Não sei, Rafa… você não quer ficar aqui no hotel mesmo? ― Perguntei.
― Ah, qual é, Lu! Vamos! Vai ser legal! Conhecer gente nova… dançar um pouco…
Nossa, duas coisas que eu adoro fazer! Conhecer gente nova e dançar! Isso tinha tudo pra dar errado.
― Você acha mesmo que sair é uma boa ideia? ― Eu disse. ― Quer dizer, Gabriel não vai ficar lá com a gente, né?
― Não… ― Rafa disse.
― E se acontecer alguma coisa? ― Perguntei.
― Tipo o que?
― Ah… sei lá… se a gente precisar dele pra alguma coisa…
― Precisar dele pra que?
― Não sei! Mas vai que…
― A gente te liga, não é, mano? ― Rafa disse.
― É… vocês têm meu número. ― Gabriel disse aparecendo na porta do banheiro com a escova de dentes na boca.
― Não sei não… ― eu disse meio indeciso.
― ―
567
― Aff, Lucas… qual é… a gente vai ficar junto lá… no pior dos casos, se não estiver sendo legal, a gente fica num cantinho lá curtindo a música…
Tá… confesso que isso me acalmou um pouco… saber que a gente ficaria juntos me deixou bem mais tranquilo. Daí resolvi aceitar. Que mal teria? Se os pais dele descobrissem, eu seria o menos encrencado. Gabriel é quem ficou responsável pela gente e nos levou numa baladinha mirim, sendo que isso foi ideia do Rafa. Daí resolvi aceitar.
Enfim… sem muita enrolação, nós três tomamos nossos banhos e nos arrumamos para sair. Eu vesti minha calça jeans preta e uma camisa polo preta. Rafa vestiu uma calça jeans azul e uma daquelas camisetas com gorrinho atrás. O bom era que a essa hora da noite o clima não era tão quente. A brisa estava fresca e agradável.
Quando estava quase na hora de sair, por volta das nove da noite, Gabriel disse que ia lá buscar Juliana no chalé dos nossos pais e saiu, me deixando sozinho com o Rafa.
Rafa estava sentado na cama, daí eu fui me sentar ao lado dele.
― Gatinho. Você acha mesmo que é uma boa ideia sair por aí a essa hora da noite? ― Perguntei.
― Você não quer? ― Ele perguntou.
― Não é que eu não quero… tipo… tá tarde… você acha que é seguro a gente andar por aí essa hora da noite sozinhos? Tipo… e se seu pai descobrir? E se nós formos assaltados? Ou pior! E se nós formos assaltados e por causa disso seu pai descobrir que a gente saiu a noite!?
― Ninguém vai nos assaltar… nós vamos pra um lugar movimentado. E, qualquer coisa que acontecer, a gente chama o Gabriel. A gente liga pra ele, sei lá…
― E se roubarem nosso celular? Como vamos ligar pra ele?
― A gente pede um emprestado! Sei lá!
― Pra quem?
― Aff… parei de discutir com você. Se você não quiser ir, ótimo, a gente fica aqui. Mas não pense que nós vamos transar. Eu vou dormir, você que se contente batendo punheta sozinho, igual você me deixou aquele dia.
― Ah… qual é, Rafa… mas faz tanto tempo desde a última vez… ― tentei chorar pra ele.
― Desde a última vez que você dormiu, né… só se for…
― Aff… tá bom… vamos pra porcaria desse lual! Eu, particularmente, preferia ficar aqui, mas… o que eu não faço por você…
― Aff… vai ser legal, Lu! Se for pra você ir bravo, nós nem vamos… eu queria sair pra me divertir com você… se você for com essa cara de emburrado, vai ser ruim tanto pra mim, quanto pra você…
― Tá pedindo demais, garoto… ― eu disse revoltado.
― Olha… quando a gente voltar… eu prometo que faremos o que você quiser… na cama… se é que me entende…
― Rafael Mackenzie vai me dar? ― Perguntei rindo. Não tinha como não rir. Eu tentava ficar emburrado, mas não tinha como ficar emburrado namorando o Rafa.
― Vai. Mas com a mesma cara que você ficar essa noite. Se ficar com essa cara emburrada, eu também vou ficar assim depois.
― Tá bom… me convenceu… ― eu disse rindo.
― Obrigado por sorrir. ― Ele disse e me deu um beijo na bochecha.
Alguns minutos depois, Gabriel apareceu na porta.
― A barra tá limpa. ― Ele disse. ― Papai e mamãe já foram. Vocês estão prontos? ― Ele nos chamou.
Nós dois saímos do chalézinho e fomos lá fora. Gabriel estava nos esperando com Juliana ao lado. Os dois estavam lindos de morrer… absolutamente impecáveis… Gabriel vestia uma
― ―
568
camiseta polo e uma calça jeans e Juliana vestia um vestido preto de saia curta e carregava uma bolsinha nas mãos. O cabelo da garota era de dar inveja em qualquer inimiga. Ali tinham três deuses… e com eles, um Lucas… fazer o que…
Gabriel explicou pra gente que seus pais já tinham saído para o show havaiano e que agora nós quatro estávamos por nossa conta. Não tínhamos ficado com o carro por três motivos: O primeiro era que o Doblô era alugado e Gabriel nem tinha carteira ainda… o segundo era que Gabriel não saberia dirigir numa cidade tão movimentada quanto Porto de Galinhas… não era como se fosse o nosso bairro em Ribeirão Preto… e terceiro, os pais do Rafa usariam o Doblô para irem ao bendito show de música. Daí nós quatro ficamos a pé mesmo. Não que os lugares fossem muito longe, tanto a festa que Gabriel ia, quanto a nossa baladinha mirim eram bem perto do hotel, talvez uns vinte ou trinta minutos a pé… mas vocês acham mesmo que Rafael, Gabriel e Juliana andariam a pé? Eles eram ricos. Ricos não andam a pé. Nunca. Chamamos um táxi.
O táxi chegou bem rápido. Essa era uma cidade turística… táxis vazios procurando clientes era o que não se faltava… assim que o táxi chegou, deixamos a recepção do hotel e nos aventuramos nas ruas noturnas de Porto de Galinhas.
Gabriel explicou para o taxista onde era o Lual. O taxista já conhecia lá, o que me deixou bastante confortável… pois, se era um lugar conhecido, menores eram as chances de ficarmos perdidos. Ele disse que lá era apelidado de Enseadinha, justamente por ser um ponto de encontro de jovens e adolescentes. O trajeto durou aproximadamente sete minutos. Quando o táxi foi se aproximando de uma determinada praia, meu medo desapareceu por completo. A tal da Enseadinha parecia ser um lugar bem legal.
Imagine uma praia infestada de meninos e meninas da nossa idade. O lugar era bem iluminado, aparentemente limpo, salvo alguns copos de plásticos, estava tocando uma música eletrônica e a pessoa mais velha daquele local parecia ter uns dezessete, dezoito anos. Tudo bem que era um point de pirralhada, mas eu não ficaria surpreso se eu e o Rafa fossemos os mais novos dali. A maioria do pessoal parecia ter entre quatorze e quinze anos, o que me deixou meio preocupado. Mas eu tinha o Rafa… ele saberia se comportar num lugar desses.
O táxi parou na calçada em frente a essa praia e Gabriel disse:
― Meninos, vocês têm dinheiro pra voltar pra casa, têm meu celular e têm um ao outro. Não se separem, não façam besteira e não aceitem nada de estranhos, okay? Qualquer coisa, me liguem, qualquer coisa mesmo. Eu estarei com o celular no vibra-call, então… eu vou sentir quando vocês me ligarem.
― Tá, mano… valeu… ― Rafa agradeceu.
― Eu e a Jú vamos estar no Brisa Pub. Fica a alguns quarteirões daqui, assim como o hotel. Dá pra voltar a pé aqui, então… qualquer coisa, em dois minutos eu e a Jú estamos aqui, okay?
― Tá… obrigado, Gabriel. ― Rafa agradeceu.
― Valeu, Gabriel! ― Eu agradeci.
― Vão lá! Divirtam-se! ― Ele nos orientou. ― Juízo.
― Vocês também! ― Eu disse de volta.
Daí descemos do táxi e assistimos ele partir. Olhei para trás e admirei a entrada do Lual. Não era nada além de um arco tribal que dava a boas-vindas aos recém-chegados. Foi quando senti o Rafa pegar na minha mão. Num sinal de reflexo, puxei minha mão como se tivesse encostado ela no fogo.
― Tá maluco!? ― Gritei. ― O que você tá fazendo?
― O que você tá fazendo? ― Ele respondeu com a mesma pergunta.
― Não vamos andar por aí de mãos dadas!
― ―
569
― Por que não? ― Ele perguntou indignado.
― Vão achar que somos gays! ― Eu tentei argumentar.
― Mas nós somos! ― Ele disse.
― Eu sei! Mas as pessoas não sabem!
― Tá com vergonha de mim, Lucas?
Nossa, essa doeu… eu não tava com vergonha dele… eu só tava com vergonha…
― Não… ― eu disse sem graça.
― Tá… se não quiser andar de mãos dadas comigo, não ande. Mas, se alguma menina vier dar em cima de mim, não me venha ficar com ciúmes depois, hein!
― É só não dar bola, ué…
― Assim como é só pegar na minha mão, ué… vai me dizer que agora você se importa com o que as pessoas que você nem conhece pensam?
Sim…
― Não!
― Não acredito que meu namorado se recusa a andar de mãos dadas comigo em público. ― Rafa reclamou.
― Para… você tá me deixando triste. Para, por favor.
― Qual é, Lu! Vai me dizer que você também não vai querer ficar comigo aqui?
― Aff… Rafa, você tem que entender que eu não me sinto confortável fazendo certas coisas… você pode até se sentir bem ficando comigo na frente de todo mundo, mas eu não… eu ainda não me sinto muito confortável fazendo isso… quer respeitar, por favor?
― Mas a gente fica na escola…
― É diferente… lá todo mundo já sabe… aqui não…
― Mas que mal tem as pessoas saberem?
― Sei lá… podemos parar de discutir isso, por favor? ― Pedi.
― Você não vai ficar comigo aqui?
― Só se estivermos sozinhos. ― Eu disse sem graça.
― Aff, Lucas… fala sério… às vezes não te entendo. ― Ele disse e se dirigiu para a entrada do lual.
Eu o segui. Fomos caminhando sem rumo pelas areias finas da Enseadinha. Tinha muita molecada aqui. No que parecia ser o centro da lual, tinha um esquema de som e iluminação montado. Lá estava um DJ tocando para um monte de adolescentes que dançavam sem pudor algum. Alguns meninos estavam sem camiseta e estavam só de bermuda, típico uniforme de praia… alguns deles com os peitorais gritantemente atraentes. A grande maioria dos meninos eram morenos. Rafa era um dos únicos loirinhos dali. Talvez porque boa parte dos frequentadores deviam ser nativos.
Como eu estava dizendo, no centro do lual formava-se uma pista de dança com uma galera bem animada. Na periferia desse centro, haviam muitas rodinhas de meninos espalhadas, provavelmente formadas por diferentes círculos de amigos. Pude reparar que muitos meninos olhavam para todos os lados, prestando atenção em tudo, ou melhor, em todas as gatinhas do local. O centro era a parte mais iluminada da praia. Já a região mais próxima do mar, era a mais escura e ao mesmo tempo a mais assustadora. Pra variar, tinha um monte de gente ficando naquela área. O lual também era rodeado de barraquinhas vendendo comidas e bebidas.
Eu e o Rafa não conhecíamos absolutamente ninguém ali, daí até ele ficou perdido. Achei engraçado, porque agora ele devia estar experimentando um pouquinho de como era ser eu. Sentir-se perdido no meio de várias pessoas sem saber o que fazer e sem saber como se comportar. Daí nós rodamos, rodamos e rodamos até pararmos no canto da festa, ao lado de uma barraquinha de comidas.
― ―
570
― Legal aqui, né? ― Ele disse.
― Uhum… ― eu concordei.
Acontece que, estranhamente, as pessoas não paravam de olhar para a gente. De duas, uma: Ou estavam nos achando estranhos por sermos novos no local ou estavam admirando a beleza descomunal do Rafa… ou os dois… por um momento, me senti feliz e orgulhoso por tê-lo como namorado.
― Quer comer alguma coisa? ― Ele ofereceu.
― Não… na verdade não… não tô com muita fome ainda… ― eu respondi.
― Hum… eu também não… se quiser, eu tô com dinheiro aqui.
― Eu também, Rafa. E você não vai pagar nada pra mim.
― Tá… é mesmo… esqueci que você ainda tá paranoico com esse negócio de dinheiro…
― Não tô paranoico… só tô…
― Deixa pra lá… não vamos brigar de novo…
Pensei em discutir, mas era melhor pararmos mesmo. Já tínhamos brigado a noite toda, não queria estender isso ainda mais. Daí ficamos ali ao lado da barraquinha mesmo, parados em pé.
― As pessoas não param de olhar pra gente… ― eu disse. ― Imagina se estivéssemos de mãos dadas.
― Quem tá olhando pra gente? ― Rafa perguntou.
― Nossa, você ainda não percebeu? Olha! Quer ver!? Fica olhando para aquelas meninas ali! ― Eu disse e fiz sinal com a cabeça.
Eu e Rafa ficamos encarando algumas meninas. Dez segundos depois, elas olharam pra gente. Quando perceberam que estávamos olhando de volta, trataram de girar a cabeça rapidamente e fingir que nada estava acontecendo. Daí elas começaram a rir.
― Viu? ― Eu disse.
― Nossa… é mesmo… elas estão a fim de você… ― ele disse.
― Seu cú! ― Eu disse rindo. ― Elas estão a fim de você!
― Tão nada… você devia pegá-las… as duas… ― ele disse rindo.
― Nem brinca. Que que eu quero com garotas? Já tenho você.
― Sei lá… novas experiências…?
― Para de brincar, Rafa… ninguém aqui vai ficar com ninguém… eu só vou ficar com alguém se esse alguém for você.
― Ah… e se aquele menino ali… olha! ― Ele disse e fez sinal com a cabeça para um menino gatíssimo. ― Se ele chegasse em você AGORA e pedisse pra ficar com você, você ia dizer não?
Puta que pariu. Que menino lindo era aquele?
― Ia… ― eu disse. ― Com muita dor no coração, mas ia…
― Mas ele é muito gato! ― Rafa disse.
― Eu sei… tô vendo que ele é gato…
― E deve ter uma senhora pica…
― Rafael! ― Eu o repreendi.
― Que foi? ― Ele disse rindo. ― Você não concorda?
― Concordo. Mas nem por isso saio dizendo essas coisas por aí…
― Aff, Lu… vamos ficar… ― Rafa pediu.
― Ah, Rafa… não começa…
― Por favor! Eu quero muito te beijar! Aqui e agora! ― Ele pediu. ― Vem! ― Ele disse e passou a mão na minha cintura.
― Ai deus… ― eu suspirei, me afastei um pouco dele e comecei a rir.
― ―
571
Eu estava começando a ficar nervoso.
― Vai… por favor… vamos ficar… eu quero muito…
― Rafa!
― Que? Vamos! Por favor!
― As pessoas vão nos julgar! ― Eu tentei ser lógico.
― E daí? Você precisa parar de nóia.
― Não é nóia…
― Aff… tá bom… vamos ficar aqui parados igual dois idiotas sem nos tocar, sem nos beijar, sem fazer nada… só porque tem gente olhando… ― ele disse e suspirou.
― Não é bem assim… ― eu disse.
― Ah não? Como é, então?
Foi quando, do nada, duas garotas se aproximaram da gente.
― Oi… ― a primeira disse.
Eu olhei para o Rafa. O Rafa olhou para mim. Daí nós olhamos para as garotas.
― Oi… ― nós dois dissemos ao mesmo tempo.
― Vocês não são daqui, são? ― A segunda garota perguntou.
― Ah… não… não… ― Eu disse começando a ficar vermelho.
― Somos de São Paulo. ― Rafa respondeu confiante.
― Hum… eu me chamo Isabela, mas podem me chamar de Isa… e essa daqui é minha amiga, a Lili. ― A primeira garota disse.
― Oi… eu sou o Rafael, prazer… mas podem me chamar de Rafa. E esse daqui é meu…
― Amigo! ― Eu interrompi Rafa antes que ele falasse ‘meu namorado’. ― Lucas. Sou Lucas. Meu nome é Lucas.
― Oi Lucas. ― A segunda garota, que se chamava Lili, disse.
― Oi… ― eu disse tímido.
As meninas deviam ter uns doze ou treze anos. As duas eram bem parecidas. Ambas tinham cabelos castanhos, longos e lisos. Estavam bem vestidas e bem maquiadas. Eu diria que elas eram umas das mais bonitas daqui fácil. Também… Rafa não atrairia menos, eu acho… as duas tinham corpos de dar inveja. Isa tinha olhos azuis, Lili tinha olhos castanhos. As duas tinham pele clara e bochechas rosadas.
― São Paulo, é? E o que vocês estão achando da nossa cidade? ― Lili perguntou.
― É bem bacana aqui… ― Rafa disse. ― Nós já conhecemos algumas praias, já andamos de Buggy, já fomos no aquário, é bem legal…
― Hum… é a primeira vez que vocês vêm na Enseadinha?
― É… ― A gente disse. ― Sempre tem festa aqui? ― Rafa perguntou.
― Quase sempre… é mais uma tradição mesmo. No final de cada mês acontece um lualzinho aqui, mas, no final do ano, tem quase toda semana. Às vezes no domingo, às vezes na terça ou na quarta… depende da semana…
― Que legal! Lá na nossa cidade não tem nada parecido com isso pro pessoal da nossa idade.
― É… aqui é um ótimo lugar pra conhecer gente da nossa idade… arrumar umas paqueras, se é que vocês me entendem… ― Isabela disse e riu baixinho. Pude perceber que Lili também riu timidamente.
― Muito legal! ― Rafa disse. ― É bom ficar com alguém de vez em quando…
― E aí… ― Isabela disse se aproximando do Rafa.
Lili também começou a se aproximar de mim. Comecei a ficar arrependido de não ter dito que éramos namorados. E se o Rafa ficasse com raiva de mim e começasse a dar em cima da menina? Acho que eu morreria de ciúmes.
― ―
572
― …vocês dois estão a fim de… hum… ficar com a gente? ― A garota pediu.
Meu deus… como assim? Para tudo! Como assim estavam pedindo pra ficar com a gente com menos de vinte minutos de festa… senhor… o que a companhia do Rafa não fazia… ser ele devia ser demais… haha… todo mundo olhava pra ele e todo mundo dava em cima dele…
― Ah… desculpa se vocês não perceberam, meninas… ― Rafa disse. ― Mas eu e o Lucas estamos namorando.
Rafa disse e pegou minha mão. Puta que pariu. Não acredito que o Rafa disse isso. Eu não sabia se dava um beijo nele ou se enfiava minha cara na areia. Virei um pimentão, de tão vermelho. Mas eu só sei que estava muito aliviado por ele ter dito a verdade logo de cara e não ter feito nenhuma gracinha contra mim. Mas, como ele mesmo disse, ele era meu namorado… acho que eu não podia esperar menos… fiquei muito aliviado quando ele deu um fora nas meninas. Acho que era exatamente isso que se tratava… eu estava morrendo de medo de perdê-lo… tinha tanta gente bonita aqui… por que ele ficaria comigo? Nós dois tínhamos brigado a noite toda, eu não queria ficar com ele em público… ele tinha tudo pra me trocar por uma rapariga… mas ainda bem que quem levou um fora foram as meninas…
Daí as meninas começaram a rir.
― É sério isso? ― Isabela perguntou.
― É sim. ― Rafa disse. ― O Lucas aqui tá com vergonha de assumir nosso namoro na frente de pessoas que ele não conhece e não quer sair de mãos dadas por aí comigo. O que vocês acham disso?
― Aiiiii… é sério, Lucas? ― Lili disse rindo. ― Como vocês são fofos!
― Aii, que bonitinho! ― Isabela disse rindo. ― Não precisa ficar com vergonha não, lindinho, o pessoal daqui não encana com isso não. Pra falar a verdade, rola bastante beijo gay aqui… é menino ficando com menino, menina ficando com menina, rola tudo… vocês não precisam se sentir oprimidos não… o pessoal daqui é bem tranquilo em relação a isso.
― Viu!? ― Rafa disse olhando pra mim.
Eu olhei pra baixo e suspirei.
― Você não devia ficar com vergonha de sair andando de mãos dadas por aí com um gato desses, Lucas. ― Isabela disse e deu uma piscadinha para o Rafa.
― Bom… a gente vai deixar vocês à vontade… ― Lili disse. ― Vamos, Isa, vamos falar com o Renan… ouvi dizer que ele tá solteiro! ― Ela disse rindo.
― Tá… tchau, meninos… aproveitem a festa. Se precisarem de alguma coisa, procurem a gente! Se quiserem saber de alguma coisa sobre a cidade e tal… ― Isabela disse. ― Me empresta sua mão, loirinho? ― Ela pediu para o Rafa.
Rafa ergueu a mão e a entregou para ela. Ela pegou sua mão delicadamente, retirou uma caneta da bolsinha e começou a escrever alguma coisa na mão do Rafa. Rafa olhou para mim e depois para o rosto da menina enquanto ela escrevia. Quando ela terminou, ela disse:
― Prontinho! Agora vocês têm meu número no Whats… quando quiser, só chamar. ― Ela disse e deu outra piscadinha para o Rafa. ― Tchau, meninos! ― Ela disse novamente.
― Tchau! ― Nós dois dissemos.
Daí as garotas foram embora.
― Que porra… foi… essa? ― Eu olhei para o Rafa com meus olhos arregalados.
― É… ponto pra gente… ― ele disse rindo. ― Consegui o número de uma garota. ― ele disse orgulhoso.
― O que foi que aconteceu? Estou tentando entender até agora…
― Que foi, Lu?
― Já aconteceu isso com você antes?
― De alguém chegar em mim ou de eu chegar em alguém?
― ―
573
― Bom… eu queria saber a resposta da primeira pergunta, mas… agora que você falou… quero saber a resposta da segunda também…
― Tá… já chegaram em mim antes… nunca chegaram em você não?
― Não. E você sabe disso. Você foi a primeira pessoa que eu beijei…
― Ah… tá… é… sim… já chegaram em mim algumas vezes sim…
― Quem?
― Algumas meninas, ué… algumas chegaram em mim… outras pediram para o Igor falar comigo… outras eu mesmo pedi pra ficar… mas… eu basicamente já fiquei com todo mundo que me pediu…
― Sério isso? Até as meninas feias?
― É… não que isso faça alguma diferença, porque… pra mim, feia ou bonita, não sinto atração do mesmo jeito… mas não acho que alguma menina feia já tenha pedido pra ficar comigo…
― Meu deus… você é uma daquelas pessoas que beija quando quer, não é, Rafa?
― Beija quando quer? Quero te beijar agora e você não me deixa. Então… não… não beijo quando eu quero…
― Você entendeu. E você sabe que eu te beijaria, se estivéssemos sozinhos. ― Confessei.
― Aff… você viu o que as meninas disseram! O pessoal daqui é de boa! Não pega nada! E, se a gente se beijar, já evitamos que outras meninas venham nos perturbar… porque todo mundo já vai saber a verdade… ― ele tentou me convencer.
― Mas aí, no lugar das meninas, vão aparecer meninos. E eu não quero que isso aconteça, porque nada garante que você vai lhes dar um fora como deu nas garotas.
― Aff… é claro que vou dar fora nos boys… estamos namorando. Se você está preocupado com a minha fidelidade, saiba que eu nunca te traí e nem pretendo…
Me senti mal quando ele disse isso. Eu já tinha traído ele… com Matheus… não que ele tivesse se importado muito, mas… eu não podia dizer que nunca tinha traído ele… e isso me deixava um tanto quanto desconfortável… porque ele podia dizer isso e eu não… e isso era um saco…
― E eu agradeço. ― Eu disse.
― Você pode me agradecer com um beijo, se quiser. ― Ele ofereceu.
― Melhor não. ― Eu disse e continuei observando a festa.
Continuamos ali no Lual por mais ou menos uma hora. Nessa uma hora, bem… muita coisa aconteceu. Depois que as meninas foram embora, eu e o Rafa resolvemos comer. Ali na barraquinha onde a gente estava, vendia crepes-suíços. Cada um de nós comeu dois. Nós comemos, conversamos um pouco e, do nada meu celular começou a tocar. Era minha mãe. Eu quis morrer, porque ela nunca me ligava… a única vez que ela me ligou, advinha! Eu estava numa festa! Eeee! Quanta alegria! Ainda bem que ela não desconfiou do barulho… quer dizer, ela chegou a perguntar onde é que eu estava… mas eu respondi que estava no hotel vendo filme com a televisão alta… ela acreditou, mas eu me senti meio mal por mentir… imagine se acontece alguma coisa comigo e eu sou obrigado a desmentir… ela nunca mais confiaria em mim… nunca mais me deixaria viajar com o Rafa… mas, foda-se… já foi…
Conversei com ela sobre várias coisas, mas mais sobre finanças… tive que jurar três vezes que estava gastando só o meu dinheiro… enfim…
Enquanto estava falando com minha mãe no telefone, Rafa também recebeu uma ligação, mas era de seu irmão… perguntando se estava tudo bem. Quando nós dois terminamos de falar no telefone, demos mais uma volta pelo Lual. Falamos com uma pessoa aqui e outra ali, mas nada demais…
― ―
574
Depois de mais um tempinho ali, voltamos a reencontrar as garotas de mais cedo. Isabela e Lili. As duas chegaram eufóricas nos procurando.
― Ei! Loirinho! ― Isabela chamou o Rafa.
― Oi! ― Rafa disse enquanto nós dois nos virávamos para trás, para elas.
― Oi… tudo bem com vocês? ― Isa perguntou.
― Aham… ― nós dois dissemos ao mesmo tempo.
― Estão se divertindo? ― As garotas perguntaram.
― Sim, muito legal aqui! ― Nós respondemos.
― Ei… vocês querem conhecer nossos amigos? ― Isabela ofereceu. ― Vocês vão gostar deles… tem até um amigo nosso que também é gay… vocês podem trocar uma ideia com ele…
― Hum… ― Rafa disse e olhou para mim. ― O que você acha?
Eu, particularmente, não queria, mas também não tinha coragem de recusar o convite de Isabela… seria muito mal-educado dizer não. Daí eu dei de ombros.
― Pode ser… ― eu disse para o Rafa.
― Tá… então vamos… ― Rafa aceitou o convite.
As duas garotas foram na frente nos guiando. Nós quatro cruzamos o Lual até chegarmos numa parte mais escura da praia, onde tinha uma rodinha de três adolescentes. Dois meninos e uma menina. E, no meio deles, tinha uma fogueira acesa. Eles pareciam ser bem legais. Isabela nos apresentou para eles.
― Gente, esses dois aqui são Lucas e Rafael, que eu falei pra vocês. Eles namoram e são de São Paulo.
― Oi, gente… ― eu disse tímido.
― E aí… ― Rafa disse enquanto ia cumprimentando todo mundo.
― E esses são Pedro, Samuel e Lívia.
Pude perceber que Samuel e Lívia estavam próximos demais para serem só amigos. E Pedro, como estava sozinho, imaginei que fosse o amigo gay que ela havia falado. Samuel devia ter uns dezesseis anos. Lívia e Pedro deviam ter treze ou quatorze.
Nós nos cumprimentamos e nos juntamos a eles na rodinha. No meio da rodinha tinha duas garrafas de vodka. Só fui perceber isso quando Isabela pegou uma das garrafas e começou a servir em alguns copos.
― Vocês bebem? ― Ela perguntou.
― É… nunca bebi… ― Rafa disse.
― Nem eu… ― eu respondi.
― É… se têm uma primeira vez pra tudo.
Nessa hora, meu coração se acelerou. Eu nunca tinha bebido antes… a única memória que eu tinha sobre bebidas era relacionada a Arthur… bebendo e fazendo merda no baile de formatura do nono ano…
Nunca me senti tão inseguro na vida igual eu me senti quando Isabela me entregou um copo preenchido até a metade com Vodka.