― Alô!? ― Uma voz masculina estranhamente familiar atendeu.
― Alô… oi… Tio Humberto!? ― Exclamei ao reconhecê-lo.
― Oi, Luquinha! Que prazer falar contigo! ― Ele disse do outro lado da linha.
Tirei meu celular da orelha e olhei para o número discado, devo ter errado o número… ué… ‘Casa’… foi pra casa mesmo que eu liguei… por que Seu Humberto atendeu?
― Tio!? Que que o senhor tá fazendo aí em casa essa hora!? ― Perguntei.
― Ah… eu!? Ah… nada demais… eu só estava… ajudando sua mãe com algumas coisas…
― Me dá aqui esse telefone! ― Ouvi minha mãe falar do outro lado da linha.
― Que coisas? ― Perguntei.
― Ah… sua mãe quer falar… ― ele respondeu e passou o telefone para ela.
― Lucas, alô? ― Minha mãe disse.
― Oi… mãe… como a senhora está? ― Perguntei.
― Bem… e você, filho!? ― Ela perguntou.
― Que que o tio tá fazendo aí? ― Perguntei.
― Ah… o seu Humberto? Estamos dando uma mudada na casa… ele tá me ajudando com os móveis pesados…
― Hum… ― eu disse.
― Mas, e aí!? ― Ela disse. ― Como estão as coisas aí?
― Ah… tá tudo bem…
― Tem dinheiro ainda?
― Tenho sim… devo ter uns quatrocentos reais ainda… ― eu disse.
― Quatrocentos reais? Como assim quatrocentos reais, Lucas Henrique!? Tá deixando eles pagarem suas contas? ― Ela gritou.
― Hã!? ― Eu me fiz de bobo. ― Eu disse que eu devo ter uns duzentos reais, mãe! E, não é como se estivéssemos fora por meses… hoje completa uma semana… vamos nos ver daqui a cinco dias… com o dinheiro que eu tenho, dá pra segurar de boa…
― Aham, sei… ― ela disse. ― Se não der, você vai apanhar quando chegar aqui… é pra trazer o troco, viu!?
― Aff… que seja… ― eu disse olhando para cima.
― E aí… como está sua viagem? ― Ela perguntou.
― Está sendo ótima… já andamos de buggy, já visitamos o aquário… ontem fomos mergulhar… estou gostando bastante…
― Ah, que bom! Por que você sabe que esse é seu presente de natal, né!? ― Ela disse.
― Sei sim, mãe… pode deixar…
― E de aniversário…
― Aff… que seja… ― eu disse não dando muita importância. Meu aniversário só seria no próximo outubro, então… não é como se ela fosse se lembrar disso…
― Depois quero ver as fotos, viu!? ― Ela disse.
― Ah… sim… claro… quando eu chegar aí eu te conto tudo com detalhes…
― Tá… e você já jantou!? ― Ela perguntou.
― Então… hoje, eu e o Rafael vamos sair…
― Mas vocês vão sozinhos? ― Ela perguntou.
― Sim… só nós dois…
― Hum… toma cuidado, viu! Vocês não conhecem a cidade, não vão se perder por aí… ou perder dinheiro… e não aceite nada de estranhos… e nem fale com ninguém… você sabe que a essa hora da noite temos que redobrar a atenção…
― ―
633
― São oito horas, mãe… estamos no verão… aqui ainda tá de dia…
― Mas daqui a pouco não vai estar.
― É… tem toda razão, mãe… ― eu disse para evitar encrenca.
― E pra onde vocês vão!? Vão sozinhos!?
― Sim, mãe… acabei de falar…
― E vocês vão pra onde!?
― Vamos jantar em algum restaurante da cidade… não é perigoso… o lugar que vamos é bem movimentado… é praticamente em frente ao shopping, então… tem muita gente na rua, essa hora…
― E como chama o lugar?
― Não sei… o Rafael que achou… acho que é uma pizzaria…
― Hum… entendi… quando voltar para o hotel, faça o favor de me mandar uma mensagem… pra eu saber que tá tudo bem…
― Tá… ― concordei.
― E, meu filho, eu vou falar mais uma vez, use…
― Camisinhas… eu já entendi, mãe… já disse que não fazemos isso! ― Eu disse revoltado no telefone.
― Eu ia dizer protetor solar, mas já que você me lembrou disso, aqui vou eu: Filho, se proteja…
― MÃE! ― Eu gritei. ― Por favor! ― Eu implorei.
― Tá… tá… então… por aqui também tá tudo bem… ah… quase me esqueci… aquele seu amigo apareceu aqui hoje…
― Arthur!? ― Eu exclamei. O que Arthur tinha ido fazer lá em casa?
― Quem!? ― Minha mãe gritou do outro lado da linha. ― Não, Lucas… seu amiguinho… o Matheus… você não contou pra ele que ia viajar?
― Ah… ― eu disse um pouco decepcionado… ― não… na verdade não…
― Ele pareceu ficar muito triste quando descobriu que você tinha viajado sem falar nada pra ele… depois trate de se desculpar… vocês dois são amigos… cuide dos amigos que você tem.
― Tá, mãe… que seja… ― eu disse.
― Tudo bem, então… acho que é isso… não preciso repetir as coisas que eu acabei de falar não, né?
― A senhora vai acabar repetindo de qualquer jeito… ― eu disse.
― Ah, ainda bem que você me conhece, Lucas. Não aceite nada de estranhos. Não gaste dinheiro com o que você não precisa. Evite problemas. Não volte tarde pra casa. Sexo seguro. Se desculpe com seu amigo. Blá, blá, blá… você entendeu.
― Entendi, mãe… mais alguma coisa!?
― Aproveite seu encontro hoje… mande um abraço pro seu menino aí…
― Tudo bem, mãe. Obrigado. Te amo. Até amanhã. Tchau.
― Não se esqueça de mandar mensagem quando chegar em casa. Amanhã nos falamos de novo. Tchau.
― Tchau.
E ela desligou o telefone. Olhei para o lado e Rafa estava me encarando.
― Estou pronto. ― Ele disse.
― Ela te mandou um abraço. ― Eu disse.
― Um abraço? ― Ele perguntou. ― Só um abraço? Nada constrangedor?
― Também mandou eu encapar meu pau antes de te comer. ― Eu disse rindo.
Ele ficou vermelho.
― Não tem graça. ― Ele disse irritadinho.
― ―
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― Tô zoando! ― Eu disse rindo.
― Podemos ir logo? ― Ele perguntou.
Bem, hoje, como vocês já perceberam, eu e o Rafa tínhamos marcado de sair. Seu Danilo e Dona Olívia tinham planejado uma noite em família, mas… o primeiro a se rebelar contra eles foi Gabriel.
Tudo começou com o fiasco da noite de ontem. Ontem foi um dia e tanto… durante a tarde, fomos mergulhar. Mergulhamos com aquelas máscaras engraçadas e com aqueles tubos de oxigênio para ver os peixes. Confesso que foi um passeio bem caro… eu queria ter pago, mas, se eu tivesse feito isso, não teria nenhum tostão para passar o resto da semana. O programa foi legal. Vimos os peixinhos, as estrelas do mar e mais um monte de outras criaturas marinhas engraçadas. A princípio eu estava com um pouco de medo, mas… acabei me saindo melhor que o Rafa.
Bem… a tarde foi bem legal, mas não posso dizer o mesmo da nossa noite. Seu Danilo inventou de levar a gente num parque de diversões. Ele perguntou para o guia do hotel onde tinha um bom parque, e este, como resposta, perguntou a nossa faixa etária. Nós dissemos doze. Adivinhem onde fomos parar: Em um daqueles playgrounds da Mônica. Só não foi pior do que parar em um da Xuxa.
Quando chegamos lá, Gabriel ficou irritado e quis ir embora. Seu Danilo tentou nos convencer a pelo menos jantar lá… e jantamos… cada um de nós comeu um daqueles hambúrgueres de fast food barato. Confesso que não estava ruim… eu até gostei. Jantamos com um rebanho de crianças barulhentas e suadas em volta ao som de um DJ que tocava aquelas músicas infantis… tocou Xuxa, Carrossel, Chiquititas e muito mais… foi horrível… mas engraçado.
Então, quando foi hoje, Gabriel discutiu com seu pai e impôs que sairia com sua namorada a sós. Seu Danilo não tinha argumentos para contradizê-lo, uma vez que a noite de ontem tinha sido um desastre, daí teve que aceitar. Quando ele perguntou para o Rafa se gostaria de sair com eles e deixar Gabriel para trás, Rafa disse que queria sair comigo a sós também… Seu Danilo não tinha o que fazer, visto que já tinha deixado um dos irmãos fazer isso. Daí trocamos uma possível noite desastrosa por um encontro romântico!
Como eu tinha tomado banho primeiro, acabei ficando pronto antes, e aproveitei o tempo livre para ligar para minha mãe. Nesse meio tempo, Rafa se arrumou e veio me encontrar aqui fora do chalé. E ele estava ridiculamente fofo…
― Por que demônios você penteou o cabelo para o lado? ― Perguntei. ― E qual é a da camisa?
Ele sorriu. Rafa tinha vestido uma camisa social branca de botões e uma calça jeans azul. Ele usava seus tênis pretos e estava bem fashion. Mas acho que, para um simples encontro, ele tinha exagerado um pouquinho no look. Ele até tinha penteado o cabelo para o lado… não é como se nós estivéssemos indo à uma entrevista de emprego… estávamos apenas indo… namorar. Ele tinha se arrumado pra valer…
― Não gostou? ― Ele perguntou.
― Tá ridículo. ― Eu disse rindo. ― Vem cá.
Ele se aproximou de mim. Levei minhas mãos até seus finos cabelos dourados e comecei a penteá-los com meus dedos até deixá-los de um jeito que me agradava. Enquanto eu fazia isso, ele apoiou suas mãos na minha cintura. Penteei seus cabelos laterais para baixo e fiz um topetinho com sua franjinha. Como seu cabelo já estava ficando grandinho, o topetinho acabou caindo e se transformou numa franjinha bagunçada. Eu gostei.
― Pronto! ― Eu disse. ― Assim você fica melhor.
― Minha vez? ― Ele perguntou.
― ―
635
― Sua vez de que? ― Perguntei.
Daí ele veio com suas mãos e começou a bagunçar meu cabelo… pelo menos foi isso que eu pensei. Mas ele acabou só penteando tudo para o lado mesmo… e deixou meu cabelo mais organizado do que estava.
― Ei! ― Eu reclamei e ele riu. ― Não sabia que você curtia um nerdzinho.
― Nossa… você fica muito nerdzinho assim… ― ele disse rindo.
― Sério que você vai me fazer andar por aí de cabelinho penteado para o lado? ― Perguntei.
― Haha… estou só brincando… não quero ninguém babando por você.
― E qual é a da camisa? ― Perguntei.
― Hoje é um dia especial. ― Ele disse.
― Ah, é? ― Perguntei. ― Especial por que?
― Porque te comprei um presente.
― E o que é? ― Perguntei.
― Você vai ter que esperar para ver.
― Devo me preocupar? ― Perguntei. ― O que esperar de uma mente pervertida?
― Não precisa se preocupar. Só se você não me amar… aí é melhor você já ir se preparando… porque tem muito amor nesse presente…
― Será que eu aguento? ― Perguntei.
― Ah, Lu… nós dois sabemos que você aguenta muita coisa… ― ele disse rindo.
― Filho da puta. ― Eu xinguei e dei um tapinha no seu peito.
Peguei meu celular e me olhei no reflexo da tela. Arrumei meu cabelo de um jeito que me deixava gatinho e Rafa me abraçou de lado.
― Tira uma foto nossa. ― Ele pediu.
― Com você me agarrando assim? ― Eu disse brincando.
― Devíamos tirar mais fotos… sabia? ― Ele tentou ser lógico. ― Fazemos tantas coisas juntos… às vezes nos esquecemos de registrar… é importante…
― Tá me deixando preocupado… ― eu disse com receio. ― Noite especial? Presente com muito amor? Tirar mais fotos? Por acaso você tá morrendo? ― Perguntei.
― Estou. ― Ele respondeu. ― Morrendo de amor por você.
― Idiota. ― Eu disse rindo e bati a foto.
― Mais uma… ― ele disse. ― Agora assim… ― e ele beijou minha bochecha.
Ele estava me abraçando por trás e beijando minha bochecha. Bati a foto.
― Depois me envia… ― ele pediu. ― Vou mandar revelar.
― Awnt… ― eu disse. ― Revela uma pra mim também? ― Pedi.
― Claro… pode deixar que vai vir dentro da caixa do seu presente de natal.
― Awnt… você vai me dar um presente de natal? ― Perguntei.
― Vou! Já até comecei a fazer. ― Ele disse sorrindo.
― Você vai fazer um presente? Pra mim? ― Eu disse derretendo por dentro.
― Lógico, né… ainda estou pensando em tudo, mas acho que já tenho uma ideia de como vai ser…
― Está me deixando curioso… ― eu disse empolgado.
― Relaxa, Lu… você ainda vai receber muitos presentes meus até o final do ano…
― Espero que seja bem caro… ― eu disse rindo.
― Se você quiser, será.
― NÃO! ― Eu gritei. ― Tô brincando… só me dê coisas que eu possa retribuir depois.
― O que você quiser. ― Ele disse me abraçando mais forte.
― Nossa… o que aconteceu com você? Tá todo meloso… todo amorzinho…
― ―
636
― Te amo… ― ele disse e beijou meu pescoço.
― Desisto. ― Eu disse rindo. ― Não acredito que perdi meu namorado selvagem pra um loirinho tuttifrutti.
― Podemos ir? ― Ele perguntou.
― Claro… ― eu concordei.
Tínhamos combinado com o pai do Rafa que pegaríamos um táxi para irmos até a pizzaria. Depois, daríamos uma volta pela cidade juntos e depois voltaríamos para o hotel de táxi novamente. Ótimos planos para um encontro. E assim fizemos. Pegamos um táxi na recepção do hotel e este nos levou até uma pizzaria muito bem avaliada na região.
Chegando lá, encontramos uma pizzaria bem lotadinha, mas com as mesas bem distribuídas. Se não estivéssemos em dois, teríamos que entrar na fila de espera. Mas, como estávamos a sós, conseguimos uma mesa assim que chegamos. Um garçom nos levou até uma mesinha que ficava no canto do restaurante. O lugar era muito chique, muito bonito e muito bem decorado. Tocava uma música ambiente agradável e os funcionários pareciam ser bem simpáticos. Acontece que, o restaurante tinha mesas em seu interior e em seu exterior, sendo que as externas ficavam dentro de um cercadinho que dava para a rua. Sentamos numa dessas mesas que ficavam lá fora. Eu gostei bastante do lugar, porque, se olhássemos para um lado, podíamos admirar a rua, e, se olhássemos para o outro, podíamos admirar a beleza do restaurante, que incluía uma fonte de água em forma de animais marinhos. Um lugar simplesmente lindo! Perfeitamente romântico e romanticamente perfeito.
Nos sentamos numa mesinha para dois e nos sentamos um de frente para o outro. O garçom trouxe dois cardápios e nos entregou.
― E aí… ― eu disse sorrindo para o Rafa.
― E aí o que? ― Ele perguntou.
― Meu presente…
― Mais tarde. ― Ele respondeu e voltou a olhar para o cardápio.
― Me dá uma dica do que é? ― Pedi.
― Já dei.
― Deu nada!
― Dei sim. Se você me ama muito, vai gostar.
― Hum… ― eu disse colocando o dedo na boca para pensar.
― Sossega. Mais tarde eu lhe dou. O que quer comer? ― Ele perguntou.
― Você. ― Eu disse rindo.
― Ei! Desde quando invertemos os papéis? Pensei que eu fosse o pervertido aqui.
― E eu pensei que eu fosse o melodramático. ― Eu disse e ele riu.
― Mas, então… vamos de pizza mesmo?
― Pode ser…
― Frango com catupiry? ― Ele perguntou.
― Você me conhece tão bem. ― Respondi.
― Quer pedir uma batata frita também?
― Pode ser… ― concordei.
― Hum… e pra beber? ― Ele perguntou.
― Vinho. ― Eu sugeri e ele riu.
― Vinho?
― Dizem que é romântico… ― eu disse dando de ombros.
― Não vão nos vender vinho! Somos duas crianças!
― Tô brincando. Não vou beber nunca mais.
― ―
637
― Não gostou de anteontem não, Lu? ― Ele perguntou se referindo ao Lual na Enseadinha.
― Ah, gostei, mas… fizemos tanta merda que eu nem sei se valeu a pena…
― Eu achei divertido… só temos que tomar mais cuidado mesmo…
― É sim…
― Mas, ei! Hoje é quarta-feira, não é? ― Rafa disse empolgado.
― É sim… o que tem? ― Perguntei.
― Lembra o que a Isabela falou? Que todo domingo e quarta tem Lual? ― Ele disse sorrindo.
― Ah, não… nem vem, Rafa! ― Eu disse recusando o convite.
― Ah… qual é! Vamos voltar lá! Foi muito legal! Você não achou?
― É que… ― eu disse meio tímido. ― Sei lá, Rafa…
― O que? Vamos!
― É que eu não tava muito afim de voltar lá hoje… é que… quando eu descobri que nós poderíamos sair hoje, eu tava pensando numa noite mais romântica mesmo… sabe? Sei lá… só nós dois… dando um passeio pela cidade… dando uma namorada por aí… eu não tava afim de ir num lugar muito movimentado… sabe?
― Ah… acho que entendi… claro que podemos fazer isso… eu até concordo com você… ― ele disse sorrindo.
― Obrigado! ― Eu disse feliz por ele concordar.
Chamamos o garçom e fizemos nosso pedido. Uma pizza de frango com catupiry, uma porção de batata frita e… duas latinhas de Fanta Uva… já que o vinho estava fora de questão… daí, enquanto a comida não chegava, ficamos conversando.
― Ei… hoje, quando eu liguei pra minha mãe, meu tio atendeu…
― Que tio? ― Ele perguntou surpreso. ― Você nunca me falou muito sobre sua família…
― Ah não! O Tio Humberto!
― Ah… o senhorzinho que mora em frente a sua casa?
― É… é que eu chamo ele de tio, mas ele não é meu tio de verdade…
― Hum… acho que você já me disse… o que tem ele?
― Então… eu liguei lá em casa e foi ele quem atendeu… disse que estava ajudando minha mãe a fazer umas mudanças na casa… estranho, né? Parece que eles estão mudando os móveis de lugar… organizando a casa…
― O que você tá insinuando? ― Ele perguntou. ― Acha que sua mãe e ele…?
― O que? Não! Nem pensar! Credo! Não! Ele é tipo… meu tio… e ela é tipo… minha mãe! Não! Credo! Não!
― É que sua mãe é muito bonita… e do jeito que você falou, pareceu que…
― Não! Credo! Ele só estava ajudando ela com as mudanças mesmo… eu achei estranho eles estarem mudando a casa… acha que isso tem a ver com meu pai? ― Perguntei.
― Com seu pai? O que tem seu pai?
― Sei lá… é só que… não mudamos a casa depois que ele se foi… e está tudo do mesmo jeito… às vezes minha mãe fica estressada do nada quando está em casa… acho que tem a ver com o ambiente…
― Complicado…
― Eu já tinha pensado nisso… em mudar a casa e tal… até queria redecorar meu quarto…
― Redecorar como? Pintar as paredes de rosa?
― Aff… não sei… quem sabe? Eu gosto de rosa…
― Eu sei…
― ―
638
― E tipo… mais cedo ou mais tarde, teremos um bebê em casa… minha irmã vai chegar daqui uns meses… rosa é o que não vai faltar lá em casa… você sabe como são os brinquedos de menina…
― Sei sim…
― Mas estava pensando em pintar meu quarto de azul mesmo… o que você acha? Você podia me ajudar, né…
― A pintar?
― Sim…
― Ajudo, ué…
― Quero um quarto igual ao seu. Adoro seu quarto.
― Acho que eu também… mas… ei… você nunca me falou muito sobre sua família… você tem tios? Primos? Avós?
― Ah… minha família não é tão grande quanto a sua… tipo… não conheci meus avós, e… meu único avô vivo mora em Minas Gerais… a última vez que eu o vi eu tinha uns oito anos… sete… sei lá… não me lembro.
― Pai da sua mãe ou pai do seu pai? ― Ele perguntou.
― Pai da minha mãe. Ele se chama Bento.
― Ele é legal?
― Ah… mais ou menos… ele não me dava muita bola, mas, quando dava, era legal comigo… brincava comigo e tal… me dava dinheiro…
― Entendi…
― Bom… continuando… minha mãe tem uma irmã mais velha… que também mora em Minas… é a tia Sônia. Ela tem dois filhos… um se chama Felipe e outro se chama Alexandre. São meus primos. Felipe era uns dois anos mais velho que eu, então… acho que hoje ele deve estar com quatorze. Alexandre deve estar com uns vinte e tanto… não sei mais…
― Faz quanto tempo que você não os vê?
― Ah… vi eles quando vi meu avô… a gente não voltou mais lá… é difícil… é muito longe.
― Entendi… legal… e por parte de seu pai?
― Ah… meu pai era filho único. Não tenho tios por parte dele. Meus avós paternos já morreram… da família Montenegro só restaram eu e ele. Mas é isso… minha família não é nada demais… e a sua? Você também não me falou muito sobre ela…
― Ah… a minha é bem grande… como você já sabe… ― Rafa começou dizendo. ― Deixa eu ver… você já conheceu minha prima Carol… né?
― Já sim.
― Então… ela é filha da irmã da minha mãe. Minha mãe tem três irmãs e meu pai tem dois irmãos. Daí tenho cinco tios. Meus dois avôs já morreram, mas minhas duas avós estão vivas, mas elas não moram lá em Ribeirão. Daí, tenho muitos primos, né? Você ainda vai conhecer todo mundo… eles vêm no natal. Todo ano, minha família se reúne lá em casa pra comemorar… eu vou te apresentar pra eles…
― O que!? ― Eu gritei. ― Diz que tá brincando, por favor… ― pedi.
― Não! Todo mundo da minha família sabe que a gente tá namorando… a maioria quer te conhecer… e, como eu estava dizendo, o natal e o ano novo é comemorado lá em casa, porque a gente tem a maior casa, que cabe todo mundo… daí todo mundo vai pra lá…
― Sério que todo mundo da sua família sabe sobre a gente? ― Perguntei.
― Ué, Lucas… não é como se fosse possível esconder… minha mãe contou pra todo mundo… uma das minhas avós achou um absurdo… mas todo restante da família apoiou…
― É… estranho… saber que pessoas que eu nem conheço sabem sobre mim… e que estamos namorando…
― ―
639
― Pelo visto, sua tia não faz nem ideia, né? ― Ele perguntou.
― Ah… não nos falamos muito… e nem tinha motivos pra contar… mas acho que isso é só questão de tempo… eles, com certeza, vão querer vir conhecer o bebê, quando a menina nascer. Então… você vai poder conhecê-los logo…
― Estou ansioso para isso. ― Ele disse sorrindo. ― Seus primos são bonitos iguais a você?
― O menorzinho tem olhos verdes também… ― eu disse rindo.
― Deve ser engraçado… ― ele disse rindo.
― Mas são bonitos sim. Pelo que eu me lembro…
― Ei, Lu… tipo… eu sei que a gente ainda não conversou sobre isso, mas… se quiser, pode ir passar o natal com a gente…
― Ah… posso ver com minha mãe, mas… tipo… esse ano vai estar só eu e ela… não sei se vai ser legal deixar ela sozinha pra ir pra sua casa…
― Entendi… ah… qualquer coisa, eu vou pra sua casa…
― Ia ser legal… ― eu disse imaginando como seria passar o ano novo com ele.
― Só tenho que ver se meu pai deixa… ― ele disse. ― Mas ele deve deixar sim…
― Eu ia gostar… ― eu disse feliz.
― Como a gente nunca conversou sobre isso? ― Ele perguntou.
― Sobre isso o que? ― Perguntei. ― Onde passar o natal? Haha…
― Ah… também… mas mais sobre família mesmo…
― Pois é…
― O problema de ter muitas tias, é que elas sempre ficavam me enchendo o saco com esse lance de namorada, sabe? Elas sempre ficavam me perguntando quando é que eu ia lhes apresentar a minha namorada… você não sabe como foi divertido esfregar na cara delas que eu tinha um namorado! ― Ele disse rindo.
― Deve ter sido bastante constrangedor… ― eu disse rindo.
― Opa, se foi! Mas eu adorei, mesmo assim.
― Haha… ― eu ri.
― Eu quase arrumei uma namorada, por causa disso… ― ele confessou.
― Ei! ― Eu reclamei.
― O que!? ― Ele disse dando de ombros. ― É sério… você precisava me ver antes de te conhecer… meu recorde foi ficar com sete meninas em uma semana… fiquei com uma por dia…
Me deu uma sensação ruim quando ele disse isso. Me senti mal.
― Rafa! ― Eu xinguei.
― O que!? ― Ele disse. ― Só tô contando… não é como se eu fosse fazer isso agora… eu tenho você, não preciso de mais ninguém…
― Sei… ― eu disse me fingindo de bravo.
― Mas, tudo bem… se você não quiser saber do meu passado, eu não conto…
― O que!? Que passado? Agora conta! ― Pedi.
― Ah… não é nada demais… só algumas histórias engraçadas que aconteceram comigo…
― Conta.
― Não, pra você ficar enciumado por causa de bobeira?
― Conta! ― Eu insisti.
― Depois eu te conto. ― Ele disse. ― Vamos falar sobre outra coisa… hoje, a noite é especial!
― Conta. ― Pedi mais uma vez.
― Contar o que? ― Ele se fingiu de inocente.
― ―
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― O que você tem pra contar! Do seu passado. Da sua vida antes de me conhecer. Das menininhas que você pegou.
― Aff… eu não… eu te conheço. Você vai ficar enciumado.
― Não vou. ― Eu disse firmemente.
― Vai sim.
― Não vou!
― Jura que não vai?
― Juro.
― Não acredito. Você vai dar chilique.
― Não vou. ― Eu disse.
― Vai sim.
― Não vou!
― Tá… então vamos fazer assim… você pergunta e eu respondo… pode ser? ― Ele sugeriu.
― Hum… justo.
― Então pergunta. ― Ele disse.
― Quando e com quem você deu seu primeiro beijo? ― Perguntei.
― Foi ano passado… acho que já te contei isso, não contei? Foi ano passado. Jogando verdade ou desafio… a garota se chamava Iris… era do nono ano… hoje ela não estuda mais na Aliança. Foi por volta de março do ano passado… então… acho que já vai fazer uns dois anos…
― Era bonita, a garota?
― Ah… até que era… meio peituda demais pro meu gosto, mas… sei lá… que diferença faz…
― E com quantas garotas você já ficou? ― Perguntei.
― Quer mesmo saber? ― Ele disse se encolhendo.
― Quero, ué…
― Cento e duas meninas e…
― CENTO E DUAS? ― Gritei.
― É… cento e duas meninas e dois meninos…
― CENTO E DUAS? ― Gritei novamente.
― É…
― Você já ficou com cento e duas meninas? ― Perguntei novamente pra confirmar.
― Sim!
― CENTO E DUAS!? Eu não conheço cento e duas meninas!
― Ah… eu não precisava ir atrás de ninguém… e, como eu já te disse, eu não costumava dar foras em ninguém… então… eu praticamente ficava com todas que me pediam…
― Por que você não dava fora em ninguém? ― Perguntei.
― Ah… sei lá… pra mim não fazia muita diferença ficar com uma menina bonita ou com uma feia… era tudo a mesma coisa… mas, se serve de consolo, você foi o primeiro menino que eu beijei, então… posso dizer que perdi meu BV gay com você… ― ele disse rindo.
― Ah… obrigado! ― Eu agradeci sendo irônico.
― Os dois meninos que eu beijei foram você e o Arthur… e a última garota que eu beijei foi a Bia… na primeira noite que a gente ficou…
― Entendi… ― eu disse. ― Eu, por outro lado, já beijei você… o Arthur… o Matheus… e, de menina, dei um selinho na Vick, então… também nunca dei um fora em ninguém… ah! Só dei um fora no Maurício! Mas porque a gente tava namorando, né…
― Então! Você já beijou mais meninos que eu! ― Ele disse. ― Devia se orgulhar!
― ―
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― Devia mesmo! ― Eu disse rindo. ― Qual foi a menina mais velha que você pegou? ― Perguntei.
― Ah, essa é fácil… Sabrina. Vinte e quatro anos. ― Ele respondeu.
― Você já ficou com uma menina de vinte e quatro anos!? ― Gritei.
― Sim… foi um acidente… ― ele disse rindo.
― Um acidente? Que acidente!? ― Perguntei.
― Ah… um dia eu fui tomar uma vacina…
― Meu deus… ― eu disse abismado. ― Você pegou a enfermeira? ― Gritei.
― Escuta! Eu fui no posto de saúde tomar uma vacina… aí essa moça veio me dar a injeção… ela perguntou se eu tinha medo de agulhas… eu disse que não, que era um garoto corajoso. Aí ela me deu a vacina, e perguntou se tinha doído… eu disse que sim, que estava com vontade de chorar… aí ela perguntou se eu queria um beijinho… eu disse: Só se for na boca… e… bem… a gente se beijou…
― Meu deus, Rafa! Você pegou a porra da enfermeira?
― Foi sem querer… eu não achava que ela fosse aceitar!
― E qual foi a mais nova?
― Julia. Oito anos.
― Alguma história engraçada com essa? ― Perguntei.
― Ah… ela era prima de um menino da minha sala… ele perguntou pra mim se eu podia tirar o BV da prima dele… aí eu pensei: Por que não? Daí fiquei com ela… ela gostou bastante…
― Mais gata? ― Perguntei.
― Hum… acho que foi a Letícia, do sétimo…
― Você já ficou com a Letícia? ― Gritei.
― Já… ― ele disse olhando pra baixo.
― E a mais feia? ― Perguntei.
― Nossa… teve uma sim… mas ela era tão feia que eu nem quis saber o nome dela… a amiga dela que me ajeitou pra ela… pensa numa menina que enche o saco… ela não me deixou em paz até que eu ficasse com essa menina…
Eu ri dele.
― Alguma já quis te dar? ― Perguntei.
― Ah… algumas sim… mas eu não quis… eu tinha medo…
― Medo de buceta? ― Perguntei.
― Ah… sim… medo de ficar pelado na frente de outra menina… medo de alguém descobrir… medo de engravidar a menina… medo dela achar meu pau pequeno… insegurança… esse tipo de coisa…
― Sexo com meninos é bem mais fácil, né? ― Eu disse rindo.
― E mais gostoso… ― ele disse brincando.
Depois de mais um tempinho, nossa comida chegou. O garçom nos serviu, botou pizza e batata nos nossos pratos e Fanta Uva nos nossos copos. Daí começamos a comer, mas a conversa não parou por aí…
― Qual foi o máximo de meninas que você já pegou numa noite? ― Perguntei.
― Hum… ― ele pensou um pouquinho e respondeu: ― Cinco.
― Cinco!? Seu cachorro!
― Ah… foi um dia que eu apostei com o Igor quem pegava mais meninas…
― Quem ganhou? ― Perguntei.
― O Igor, lógico… pegou oito.
― OITO!? ― Gritei.
― Sim… acho que foi isso…
― ―
642
― Gente! Só você já beijou em uma noite mais gente do que eu já beijei na minha vida inteira! E o que deu na cabeça de vocês, para apostarem uma coisa dessas?
― Ah… ele achava que pegava mais meninas que eu… ― ele disse rindo.
― Pelo visto, ele estava certo… ― eu disse.
― Pois é… ― ele disse enfiando um pedaço de pizza na boca.
― Eu nunca fiz isso… ― eu confessei.
― Fez o que? ― Ele perguntou.
― Sair pegando meninas numa festa…
― Sorte a sua. ― Ele disse dando um gole na bebida.
― É… acho que sim… ― eu disse comendo um pedaço da pizza. ― Qual foi o seu melhor beijo? ― Perguntei.
― Ah… sem dúvidas foi com você… o segundo lugar não chegou nem perto…
Me senti lisonjeado.
― Obrigado! ― Eu disse rindo.
― É sério… aquele nosso primeiro dia… o que foi aquilo… acho que nunca vou sentir algo parecido… cara… ficar com garotas era tão sem graça… quando eu fiquei com você, que eu sentia algo de verdade, nossa… foi muito bom, você se lembra?
― Lembro sim… ― eu disse ficando tímido.
Quando me lembrei do nosso primeiro beijo… nem tive mais vontade de perguntar nada… de que importava o passado? Eu gostava tanto dele… ele podia ter beijado quantas garotas quisesse… o que importava era que ele era meu e só meu…
Ele estendeu a mão para mim e eu a peguei. Ficamos nos olhando por um tempo sem falar nada. Olhei para nossas mãos e me senti muito feliz.
― Já pensou no nosso futuro…? ― Rafa perguntou.
― Não gosto de pensar sobre isso… ― eu confessei.
― É… acho que nem eu…
Ficamos nos olhando por mais um tempo.
― Eu… não quero te perder… ― ele disse olhando para nossas mãos. ― Nunca.
― Nem eu… ― eu concordei com ele.
― Acha que isso vai acontecer algum dia? ― Ele perguntou.
Olhei no fundo dos seus olhos e depois voltei a fitar nossas mãos.
― Espero que não…
Depois que terminamos nossa janta, pagamos e fomos embora do restaurante. Deu um total de R$75,00. Não achei caro, pela qualidade do local. Paguei metade.
Deixamos o restaurante e fomos dar um passeio pela rua. Aqui perto do restaurante, a algumas quadras de distância, localizava-se um famoso mercado de calçadão. Era praticamente uma calçada bem larga que se estendia pela orla da praia e que continha várias barraquinhas vendendo coisas. Tinha de tudo ali: Roupa de praia, toalhas de banho, bijuteria, chapéus, miçanga, enfeites de decoração e lembrancinhas da cidade entalhas na madeira.
Andamos por cinco minutos até chegarmos nesse calçadão. Quando chegamos lá, Rafa pegou na minha mão e olhou para mim. Eu sorri de volta.
― Ué… ― ele disse. ― Não vai reclamar de andar de mãos dadas comigo em público? ― Ele perguntou.
― Não. ― Respondi firmemente e apertei sua mão.
Nossos dedos se entrelaçaram enquanto íamos caminhando pelo calçadão vislumbrando a infinidade de mercadorias sendo comercializadas ali. Quando passamos por uma barraquinha de miçanga, bati o olho num colarzinho que era a cara do Rafa. Era um cordãozinho de prata cujo pingente era um leãozinho em posição de ataque. Achei lindo e pude contemplar
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um preço acessível. Ele tinha dito que tinha me comprado um presente… talvez fosse legal retribuir e comprando um presente para ele.
― Rafa… ― eu disse. ― Espera um minuto?
― O que foi? ― Ele perguntou.
― Vou comprar uma coisa.
― Que coisa?
Nossa, eu queria fazer surpresa… mas era impossível fazer surpresa com um interrogatório desses…
― Pera!
Me separei dele e fui até a barraquinha de miçanga. Ele veio me seguindo. Quando cheguei lá, a moça que estava vendendo era bem estranha. Ela era jovem, bem magra e esquelética, tinha os cabelos meio branco e meio amarelo descolorido, e eles estavam trançados num rastafári um tanto quanto encardido. Ela usava roupas largas e psicodélicas, muitos colares e muitas pulseiras nos braços.
― Boa noite, cavalheiros! ― Ela nos saudou.
Achei ela muito estranha.
― Oi… ― eu a cumprimentei.
― Vieram pela prata ou pelo futuro? ― Ela perguntou.
― Como assim? ― Perguntei.
― Pela prata, então… ― ela disse. ― O que desejam levar? ― Ela perguntou.
― Quero este colar. ― Eu disse e apontei para o colarzinho de leão.
― Hum… vai presentear seu futuro com a essência e com a coragem de um leão? ― Ela perguntou e olhou para o Rafa.
Será que ela disse ‘futuro’ se referindo ao meu futuro/destino ou se referindo ao Rafa como sendo meu futuro? Como ela sabia que eu ia dar de presente para ele?
― Acho que sim… ― eu disse. ― Tá quanto?
― Já dizia a mãe natureza que não devemos cobrar muito de pessoas com bons corações e com intenções puras. Faço este colar valer trinte e seis reais, para você, que é puro de espírito, garoto.
Me senti lisonjeado.
― Pois eu compro. ― Eu disse.
Arranquei trinta e seis reais do meu bolso e comprei o colar. Assim que peguei, guardei no bolso. Rafa ficou me olhando.
― Não vai vestir? ― Ele perguntou.
― Não é pra mim… ― eu disse. ― É um presente para uma pessoa especial…
Ele sorriu. Quando viramos para irmos embora, a moça deu um chilique e nos chamou de volta.
― Meninos! Esperem! ― Ela gritou.
Nós dois olhamos para trás e voltamos até ela.
― Você! ― Ela gritou e olhou para mim.
Eu me assustei um pouco e peguei na mão do Rafa.
― Passou por uma fase difícil recentemente? ― Ela me perguntou.
Sem saber o que fazer, eu olhei para o Rafa. Sim… eu tinha passado por uma fase difícil recentemente… mas não respondi.
― Não se preocupe… ― ela disse. ― Pra você, o pior já passou… mas isso não é motivo para baixar a guarda… cuide bem de seus amigos, principalmente dos que passarão por dificuldades… se você feri-los, será ferido em dobro!
― Você é uma vidente? ― Perguntei.
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― Brigou com alguém recentemente? ― Ela perguntou. ― Perdoe aqueles que te fizeram mal, pois, no futuro, podem te fazer bem como qualquer outro!
Quando ela disse isso, pensei no meu pai. Mais uma vez, olhei para o Rafa, para ver o que ele estava achando de tudo isso…
― E, por último! Você sente que está perto de uma grande mudança? ― Ela perguntou.
Pensei na minha irmã… sim… eu estava perto de uma grande mudança…
― Dê valor às coisas boas que estão por vir! Você só viverá uma vida feliz, se estiver disposto a tal…
― Como você sabe de tudo isso? ― Perguntei surpreso.
― E pra você, loirinho… se afaste dos perigos, ou vai acabar machucando alguém que ama…
― Sei, sei… ― Rafa disse duvidando do dom da mulher maluca.
Ela deu um gemido e disse:
― Ah… me desculpem… às vezes pressinto algumas coisas e me sinto no dever de alertar meus clientes…
― É… erm… obrigado…? ― Eu disse.
― Obrigado, moça. Boa noite! ― Rafa disse e me puxou pelo braço para longe dali.
Quando estávamos longe o bastante, eu disse:
― Você viu isso? Que incrível? Como ela sabia de tudo aquilo?
― O que ela sabia, Lucas? ― Ele perguntou.
― Que eu tinha passado por dificuldades na escola, brigado com meu pai e que estava esperando uma irmã!
― Lu, ela não sabia de nada disso… ela perguntou se você tinha passado dificuldades, se você tinha brigado com alguém e se você estava esperando uma mudança na vida… são três situações extremamente comuns… qualquer pessoa acha que passou por dificuldades… qualquer pessoa brigou com alguém… e qualquer pessoa está esperando uma mudança na vida… ela disse três coisas super comuns para fazer você acreditar que ela estava prevendo seu futuro… ela disse as mesmas coisas que um horóscopo diria… hora ou outra, você iria se identificar com o que ela disse…
― Não seja tão cético, Rafa…
― Cético? Ela disse que você tinha uma alma pura!
― E daí? ― Eu disse. ― Eu tenho mesmo!
― Ela só disse isso pra fazer você comprar o colar… isso é técnica de vendedor profissional… dizer um monte de elogios para o consumidor a fim de iludi-lo. Ela tá mais pra macumbeira, que pra vidente… isso sim… aposto que o seu colar tá amaldiçoado!
― Não fala isso! ― Impliquei com ele. ― Comprei pra você, droga!
― Tô brincando! ― Ele disse.
― Agora você me deixou com paranoia! ― Eu reclamei.
― Paranoia de que?
― E se estiver amaldiçoado? O colar que eu comprei pra você? E se só trazer energias negativas?
― Não tem problema, eu uso mesmo assim… nosso amor é mais forte que qualquer maldição! ― Ele disse brincando.
― Rafa! Para! Não se pode brincar com essas coisas… ― eu disse com receio.
― Ah, Lu… para… você é a última pessoa que acreditaria numa coisa dessas…
― É… que seja… que horas você vai me dar meu presente? ― Perguntei.
― Quando estivermos sozinhos. ― Ele disse sorrindo.
― Meu deus… o que esperar da mente pervertida de Rafael Mackenzie?
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― Se você me ama muito, você vai gostar. Tenho certeza.
― Eu amo. ― Eu disse.
― Então você vai gostar. Relaxa. ― Ele disse sorrindo de um jeito duvidoso.
― Aff… ― eu reclamei.
Ele pegou na minha mão e nós continuamos andando pelo calçadão. Estava bem movimentado, o lugar. E, acredite ou não, esse calçadão ficava perto da Enseadinha. Dava-se para ouvir a música do Lual tocando. Por causa disso, a quantidade de jovens aqui perto tinha aumentado bastante.
― E aí… ― eu disse. ― Tem mais alguma coisa pra me contar, do seu passado? ― Perguntei.
― Ah… acho que não… nada demais… o mais engraçado eu já te contei…
― Eu ainda não acredito que você e o Igor apostaram quem pega mais meninas… ― eu disse enquanto me lembrava disso.
― Pois é… ― ele disse tímido.
― Ainda bem que eu não estava lá, senão ia ganhar de vocês… ― eu disse brincando.
― Não duvido… ― Rafa disse. ― Você é gato… sei de umas seis meninas da escola que querem ficar com você…
― O que!? Comigo!? Fala sério! ― Eu disse e dei um tapinha no ombro dele.
― É sério… mas, por mais que eu acredite que você pegaria quem quisesse, não sei se você daria conta da caça…
― Como assim? ― Perguntei.
― Você invadiria uma roda de meninas pra sequestrar a mais gata?
― Eu!?
― Queria só ver se você teria coragem de fazer isso! ― Ele disse me zoando.
― Ei! Acha que consegue pegar mais gente que eu, numa festa? ― Eu desafiei ele.
― Eu não disse isso. ― Rafa se defendeu. ― E não. Não vamos fazer isso. Eu sei o que você tá querendo fazer. Tá querendo apostar comigo igual eu apostei com o Igor. E você nem consegue disfarçar. Não vamos apostar isso.
― Minha nossa! Você acha mesmo que pegaria mais que eu! ― Eu disse brincando.
― Lucas! ― Ele grunhiu. ― Nem vem! Não vamos apostar isso… eu sei o que você tá tentando fazer…
― Eu!? ― Eu disse. ― Não tô tentando fazer nada!
― Então tá… ― ele disse e ficou quieto.
Ficamos em silêncio por alguns segundos.
― Você toparia? ― Perguntei.
― Lucas! ― Ele exclamou.
― Só por curiosidade… não é como se tivéssemos uma festa pra ir… ou um lual… ― eu o provoquei.
Ele coçou a cabeça.
― Você gostaria mesmo de fazer isso? E aquela história de noite romântica? ― Ele perguntou.
― É… tem razão… ― eu disse. ― Vamos… só namorar… hoje… é melhor…
― Concordo… ― ele disse.
― Mas, assim… num mundo hipotético… onde a gente apostasse isso pra valer… qual seria o prêmio? ― Perguntei.
― O prêmio? ― Ele perguntou.
― É… ― eu disse rindo.
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― Hum… ― ele colocou o dedo na boca para pensar. ― Que tal se o perdedor tivesse que ser o passivo pelo resto do ano?
Quando ele disse isso, eu comecei a rir.
― Pelo resto do ano!? ― Exclamei surpreso. ― Tá brincando?
― Ah, qual é… já é dia 12 de dezembro… não seria o fim do mundo…
― Você está mesmo disposto a ser passivo pelo resto do ano? ― Perguntei. ― Vai ter que dar muito…
― Quem disse que estou disposto a perder? ― Ele se gabou.
― Filho da mãe! ― Eu xinguei.
― Agora a coisa ficou interessante… ― ele disse sorrindo maliciosamente.
Olhei bravinho para ele.
― Então vamos apostar? ― Eu perguntei.
― Sério, Lucas? Tem certeza? ― Ele me provocou.
― Tá com medo? ― Perguntei. ― Será que você aguentaria me dar até ano que vem?
― Meninas valem um ponto. Meninos, cinco. ― Ele disse e estendeu a mão para mim.
― O perdedor será o passivo pelo resto do ano… ― eu disse e apertei a mão dele confiantemente.
― Apostado. ― Ele disse e me encarou.
― Apostado. ― Eu disse e sorri de volta.
E caminhamos em direção do Lual.