Assim que chegamos no Lualzinho, olhei em volta e comecei a pensar em como faria para ganhar do Rafa nessa aposta…
Quem pegasse mais, ganhava. O perdedor seria passivo pelo resto do ano. E meninos valiam mais que meninas…
A primeira coisa que fiz foi olhar em volta para ver se alguém me chamava atenção… mas o único garoto que me deu vontade de beijar estava do meu lado segurando minha mão.
― Tá vendo… ― Rafa disse. ― Eu disse que o lance das mãos era uma boa ideia… as pessoas estão começando a olhar.
― Estão olhando porque é estranho. Nós dois somos estranhos aqui. ― Eu tentei argumentar.
― Claro que não. ― Ele respondeu. ― Temos que mostrar pra todo mundo aqui que estamos atrás de meninos… se todo mundo ver que estamos de mãos dadas, logo vão sacar.
Continuamos andando de mãos dadas até chegarmos no meio da festa. Rafa se virou e ficou de frente para mim. Daí ele ficou parado me encarando.
― E aí… já encontrou algum bonitinho por aí? ― Perguntei.
― Me beija. ― Ele pediu.
― O que!? ― Exclamei. ― Tem certeza de que isso é…
Mas fui interrompido por uma boca me atacando vorazmente. Sem resistir, fechei meus olhos e passei meus braços pelo seu corpo. Foda-se… agora não tinha mais porquê esconder… todo mundo já estava olhando mesmo…
Então era isso que ele chamava de se exibir para todo mundo? Porque era horrível a sensação de se ter mil olhos sobre si. Mas tentei não pensar muito sobre isso.
Rafa me agarrou e me puxou para si. Nossas bocas se colaram e começaram se esfregar uma na outra. O atrito sumiu assim que ele usou sua língua molhada para lambuzar minha boca com sua saliva… o gosto característico de sua boca me fez ter uma ereção instantânea, que eu sei que ele sentiu, pois ele acabou me puxando para mais perto para me encoxar. Fiquei com um pouco de vergonha, porque ele me agarrou direto pela bunda, mas estava tão gostoso que eu nem dei bola.
Ele enfiou a língua o mais fundo possível na minha boca e eu a chupei como se fosse o melhor pirulito do mundo. Senti nossos dentes se tocarem levemente conforme virávamos a cabeça para o outro lado. Fazia tempo que a gente não se beijava desse jeito… a gente só costumava se beijar assim quando fazíamos sexo…
O barulhinho de beijo ecoou por entre nossas faces conforme ele ia chupando meus lábios. Ele se jogou um pouquinho sobre mim e eu tive que me curvar para trás. Foi legal fazer isso, porque eu pude soltar todo meu peso sobre seus braços e senti ele me segurar firmemente. Também senti sua ereção me tocar conforme ele me encoxava novamente.
Seus lábios macios se esfregavam nos meus enquanto a gente ia provando um da boca do outro. Enfiei minha língua na sua boca e senti ele me chupar de volta.
Foi quando ele começou a me empurrar para o lado. Logo percebi que ele estava tentando fazer a gente girar… provavelmente para mostrar para todo mundo o que estávamos fazendo… como se já não estivesse na cara…
Depois de darmos umas duas voltas, ele se separou de mim e nós nos olhamos.
― Delícia… ― ele disse sorrindo. ― Está pronto para descobrir se tem alguém aqui que beija melhor que eu? ― Ele perguntou.
― Rá, rá… já sabe por onde começar? ― Perguntei.
― ―
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― Tenho uma ideia… vou procurar pelos que se chamam Lucas… altas chances de eu me dar bem.
― Safado! ― Eu o xinguei.
― Então… ― ele disse olhando para baixo.
― Então… ― eu disse de volta.
― Então… ― ele disse olhando para o lado. ― Até daqui a pouco? Eu acho…
― Hum… acho que sim… ― eu disse dando de ombros.
― Tá… então…
― É… acho que sim…
― Erm… okay, então…
Como eu percebi que a nossa despedida poderia se estender para sempre, resolvi bancar o macho ignorante e fui o primeiro a me retirar.
― Até… então… ― eu disse.
― Até… ― ele disse.
Agora eu estava sozinho e por conta. E isso me deixou um pouquinho nervoso. Uma coisa era estar na companhia do Rafa ou de alguém, outra coisa era estar completamente perdido e sozinho no meio de um monte de adolescentes sem juízo e sem vergonha. Eu confesso que fiquei com um pouco de vergonha de ficar sozinho. Comecei a imaginar o que as pessoas a minha volta pensariam se vissem um menino sozinho perdido por aí. A maioria do pessoal estava acompanhado ou fazia parte de algum círculo de amigos. Imagine o que o pessoal ia pensar de mim! Um coitado de um garoto sem amigos que veio para a festa passar vergonha sozinho. Merda… isso era mais difícil do que eu pensava…
Então, sem saber o que fazer, olhei para trás, para ver se via o Rafa. Quando me virei, flagrei ele me olhando também. Devíamos estar a alguns metros de distância. Ué… por que ele estava me olhando? Ou ele estava na mesma situação que eu, perdido, o que eu duvido muito, visto que ele é o Rafa, o deus supremo da pegação… ou, o que é mais provável, ele só queria saber se eu estava bem. Bem… acho que eu não estava bem, mas eu não queria que ele soubesse… talvez por orgulho… ou talvez por sei lá o que… então, para tentar não passar insegurança, voltei a olhar para frente, para tentar não transparecer que eu estava completamente perdido. Daí, sem olhar para trás, caminhei até um barzinho que vendia bebidas e refrigerantes.
Para minha sorte, tinha quatro banquinhos ali, que ficavam de frente para o balcão. Quer algo melhor do que se sentar em uma festa? Ficar sentado numa festa é a melhor maneira de espantar os maus olhares, uma vez que fica parecendo que você está esperando alguém…
O barzinho era praticamente uma cabaninha com um barman que ficava fazendo os drinks da casa. Na parede do fundo, tinha uma prateleira de garrafas decorando o ambiente. Do lado do barzinho, tinha um casal em pé conversando. E, nos banquinhos, não tinha ninguém além de um menino sentado tomando uma bebida azul numa daquelas tacinhas com guarda-chuva e limão. Ele estava sentado no banquinho do canto. Como nós não nos conhecíamos, achei melhor me sentar no banquinho do outro canto, ou seja, no banquinho mais afastado dele o possível. O barman veio até mim e perguntou:
― Oi, mocinho. Vai tomar alguma coisa?
― Ah… sim… claro… ― eu respondi. ― Tem um cardápio aí? ― Perguntei.
Ele me entregou um cardápio e me deixou escolhendo. Nessa hora, fiquei curioso para saber o que o Rafa estava tramando. Olhei para trás e tentei achá-lo no meio daquele formigueiro. Procurei aqueles cabelinhos loiros por toda festa, mas não consegui encontrá-los logo de cara. Foi quando bati os olhos num outro barzinho daqui, bem parecido com esse. Rafa estava encostado lá e agora olhava para mim.
― ―
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Quando percebi que ele estava me olhando, dei uma piscadinha e ele riu. Bom… ou o Rafa estava me imitando, indo até a um barzinho, ou eu estava fazendo a coisa certa. Supondo que eu estivesse no caminho certo… tentei imaginar qual seria o próximo passo depois daqui. O Rafa não era bobo. Tenho certeza de que ele tinha ido naquele barzinho por um motivo.
Olhei para trás mais uma vez e percebi que no barzinho dele também tinha um menino sentado. O menino que estava perto dele era bem gatinho. Ele parecia ser um pouquinho maior que o Rafa, tinha a pele morena, o cabelo curto e estava usando uma camiseta cavada, uma bermuda e um chinelo. Meu coração palpitou quando Rafa se aproximou do garoto e puxou conversa.
Nessa hora, me ocorreu uma crise. Primeiro, era meu Rafa que estava ali. Nunca senti tanto ciúmes na vida quanto eu estava sentindo agora. Não era como se o Rafa estivesse conversando com um amigo, ou coisa assim… ele estava conversando com um Zé Ninguém com segundas intenções. Não sei porquê, mas doeu um pouquinho. Por algum motivo, eu queria que fosse eu ali no lugar do menino… eu queria que fosse eu que estivesse sendo xavecado pelo Rafa. E, segundo, ele estava puxando assunto com um menino gatinho… eu, por outro lado, não sabia nem por onde começar uma conversa com um estranho… ainda mais com outro menino…
Olhei para o lado e dei uma boa secada no garoto que estava ao meu lado. Ele devia ter uns treze ou quatorze anos. Era branco, tinha o cabelo preto e grandinho, que se penteava numa franjinha organizada. Assim que prestei atenção nele, pude perceber que o garoto possuía um rostinho angelical e ele era bem atraente. Como fiquei olhando para ele por um tempo, ele acabou percebendo e me olhou de volta. Pude contemplar seus olhos cor caramelo por apenas alguns milésimos de segundos, porque assim que ele me olhou, eu tratei de desviar o olhar, e me fingi de inocente.
Olhei para o Rafa e ele continuava conversando com o Zé Ninguém, mas agora eles estavam mais perto. Isso me incomodou. Droga… eu estava começando a ficar ligeiramente arrependido de ter apostado isso. Na hora, eu não estava pensando… eu achava que seria mais fácil que isso… mas, agora… agora eu estava sozinho…
Todos os meninos desse lugar estavam acompanhados. Seja por uma garota ou por amigos. Ninguém aqui estava sozinho. E isso que me deixava com medo. Como eu ia chegar numa roda cheia de moleques e pedir pra ficar com um boyzinho na cara dura? Eu não tinha coragem de fazer isso. O Rafa talvez sim… e isso era o que mais me assustava. O único garoto bonitinho que estava desacompanhado estava sentado a um metro de distância de mim. E, ainda assim, era incrivelmente difícil puxar uma conversa com ele.
Uma vez li que por volta de dez por cento da população era homossexual. Quais as chances desse garoto estar disposto a me beijar? Uma em dez. Parabéns, Lucas! Você está definitivamente no caminho certo, idiota. Mas, querendo ou não, só tinha um jeito de descobrir.
Para criar coragem, olhei mais uma vez para o Rafa. Que diabos ele tanto conversava com aquele garoto? De onde ele tirava tanto assunto? E porque os dois não paravam de rir? Que ódio!
Olhei mais uma vez para o garoto sentado ao meu lado, contei até três, criei coragem e disse:
― Oi…
Saiu mais fraco do que eu esperava, daí eu repeti, dessa vez mais forte:
― OI…
O garoto me olhou e disse:
― Ah… oi…? E aí, cara…
Olhei para aqueles olhos caramelos e, em seguida, olhei para sua tacinha contendo um líquido azul brilhante.
― ―
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― O que você tá bebendo aí? ― Perguntei.
― Ah… chama-se Leviatã Cítrico. Tem aqui no cardápio… ― ele disse e apontou para o cardápio na sua frente.
Eu também tinha um cardápio, mas considerei que esse oferecimento para ver o seu foi um convite para que eu me aproximasse. E assim fiz. Me levantei do meu banquinho e fui me sentar ao seu lado. O garoto apontou para o nome da bebida no cardápio. Custava doze e noventa. Ô bebidinha cara… mas acho que seria um bom começo.
― Erm… moço… ― eu chamei o barman.
― Pois não?
― Vou querer um igual o dele… ― eu disse tentando ser simpático.
― É pra já… ― ele disse.
Enquanto ele preparava, eu perguntei:
― O que vai nisso? Não vai álcool não, né?
Daí o barman riu e respondeu:
― Não, não… é basicamente suco de laranja, suco de limão, leite condensado, essência de blueberry e um açúcar temperado que deixa o gosto ácido e cítrico.
― Parece ser bom… ― eu disse com os olhos brilhando.
― Uma das especialidades da casa… ― ele respondeu.
Enquanto o barman preparava a minha bebida, dei uma olhadinha para o menino.
― Gui. ― Ele disse.
― Oi? ― Eu disse sem entender.
― Guilherme, prazer… ― ele disse estendendo a mão.
― Ah… sim… oi… eu sou o Lucas… ― eu disse enquanto cumprimentava ele.
― Você também não é daqui, né? ― Ele disse sorrindo.
Não pude deixar de reparar em como seu sorriso era lindinho.
― Não… ― eu respondi. ― Como sabe?
― Pelo seu sotaque… ― ele disse sorrindo timidamente.
― Ah… sim… sou de São Paulo.
― Hum… e sou de Goiás…
― Você… tá sozinho aqui? ― Perguntei.
― Não… tô com meu primo aqui… nossa família tá passando as férias aqui… e você? ― Ele perguntou simpaticamente.
― Ah… eu… eu tô com…
Pensando bem… não seria legal eu dizer que estava com meu namorado aqui… isso poderia acabar com minhas chances…
― Eu tô… eu também tô com meu primo aqui… ― eu disse um pouco enrolado.
― Por acaso seu primo era aquele garoto que você estava beijando ali atrás?
Nessa hora, senti minha face ficar quente. Eu devia estar vermelho.
― Ah… ― eu ri sem graça. ― É… tudo bem… ele não é só meu primo…
― Entendi… ― ele disse.
― AH! NÃO! ― Eu gritei. ― Quando eu digo que ele não é só meu primo… não… ele não é meu primo… sim… a gente tá junto, mas não! Ele não é meu primo! ― Tentei consertar. ― Não beijei meu primo não! Tipo… se ele fosse meu primo, a gente não se beijaria… mas… não somos primos… e nos beijamos… erm… tipo… ah… você… você…
O garoto começou a rir de mim.
― Eu entendi… calma… eu entendi… ― ele disse rindo graciosamente.
― É… ― eu disse olhando para baixo.
― ―
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Parabéns, Lucas! Você é o deus supremo das gafes! Pensei comigo mesmo. Passando vergonha mais uma vez.
― É complicado… ― eu disse.
― Imagino… ― ele respondeu simpaticamente.
― Aqui, mocinho! ― O barman disse me entregando a bebida.
Peguei a tacinha e dei um gole.
― Porra! Isso é bom! ― Eu exclamei e dei mais um gole.
A bebida era azedinha, mas ao mesmo tempo era extremamente suave e doce. O leite condensado ficava imerso em forma de espiral na bebida. Com meu primeiro gole, acabei deformando o arranjo, mas não me importei. E o pior era que essa porra era muito gostosa. Queria que o Rafa estivesse aqui para experimentar comigo.
― É mesmo… ― o garoto disse tomando um gole.
― Então… ― eu disse. ― Você… por acaso… é… solteiro?
Sério, Lucas!? Vai perguntar se o garoto é solteiro? Você podia continuar a conversa de mil maneira diferentes, e você me resolve acabar com tudo perguntando se ele era solteiro!? O garoto riu da minha pergunta.
― Pior que sou sim… ― ele disse e olhou para baixo timidamente.
― Hum… ― eu disse sem saber o que fazer.
― Mas… eu… erm… desculpa, mas eu meio que gosto de garotas… sabe? ― Ele disse educadamente.
― Ah… não! Relaxa… relaxa… ― eu tentei amenizar a situação. ― Eu te entendo… tipo… não tô querendo nada não… ― menti. ― Só tô perguntando mesmo… pra saber…
― Ah… okay… me desculpe, então… pela indelicadeza… ― ele disse tentando sorrir.
― Imagina… que isso… ― eu disse enquanto procurava desesperadamente pelo Rafa.
Nessa hora, bati os olhos no Rafa… me deu um aperto no coração quando vi meu gatinho loiro enfiando a língua na boca de outro menino. Nossa… que sensação ruim que me ocorreu. Rafa estava beijando aquele garoto estranho do bar. Merda! Cinco a zero. Mas quem se importa com a porcaria de uma pontuação? Era o Rafa ali. O meu Rafa. Enfiando a língua na boca de outro menino! Por que era tão difícil de assistir e ainda assim eu não conseguia parar de olhar? O que eu mais queria agora era ir correndo até o Rafa e abraçá-lo. Abraçá-lo tão forte que ele nunca mais se separaria de mim. Ficaríamos grudados para sempre. E ele nunca mais ia beijar outra boca que não fosse a minha. Nunca pensei que vê-lo beijando alguém me deixaria com tantos ciúmes. Mas parece que eu não me conhecia tão bem assim.
Só que eu não podia ir até ele. E se ele brigasse comigo? E se ele dissesse que tudo isso foi ideia minha? Que agora teríamos que ir até o fim? E se ele insistisse que eu perdi a aposta e que agora eu teria que ser passivo até o final do ano? Droga! Eu não sabia mais o que fazer…
― Lucas? ― O menino do meu lado me chamou.
― Ah… oi… desculpa… me distrai… ― eu disse.
Ele olhou na direção em que eu olhava anteriormente e, percebendo o que estava acontecendo, disse:
― Ouch… que chato… tava gostando dele? ― Ele perguntou.
― Ah… não… de forma alguma… ― menti. ― É só que… esquece… o que você ia dizer?
― Ah… ― ele disse. ― É que… meu primo… tá me esperando ali… então… acho que… bem… ah… foi um prazer, te conhecer… ― ele disse estendendo a mão.
Quando saquei que ele estava se despedindo, exclamei:
― Ah… tá… claro… vai lá… até mais… valeu aí, Gui… foi um prazer… ― eu disse e apertei sua mão.
― É… então… até mais, Lucas.
― ―
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― Até… ― eu disse.
E então o garoto virou as costas e se foi. E agora eu estava definitivamente sozinho, sem saber o que fazer. Olhei para o Rafa e ele ainda estava beijando aquele maldito garoto. Soltei um suspiro decepcionado e voltei a ficar de frente para o bar. O barman chacoalhou duas coqueteleiras e, em seguida, despejou os líquidos em uma tacinha limpa. A primeira coqueteleira preencheu a tacinha até a metade com um líquido alaranjado. A segunda terminou de encher a tacinha com um líquido cor de rosa. Em seguida, ele jogou uma cereja ali dentro e fixou um guarda-chuva decorativo na borda. Era um belo de um coquetel. A metade de baixo era alaranjada e a metade de cima era rosa.
― Aqui… ― ele disse. ― Por conta da casa.
― Ah… ― eu exclamei surpreso. ― Sério!?
― Sim. Esse chama-se Pôr do Sol de Lisboa. Não tem no cardápio. Sempre ofereço um desses para quem leva um fora no meu bar. ― Ele disse sorrindo.
― Ah… ― eu disse rindo. ― Não sei se fico feliz ou triste por causa disso!
― Prove. ― Ele me instruiu.
Peguei a tacinha e dei um gole na bebida. Primeiro senti o sabor do líquido rosa. Era doce.
― A parte rosa tem creme de leite, suco de morango, calda caramelizada de morango e um açúcar extra doce. Dizem que traz sorte no amor.
― Delicioso. ― Eu disse enquanto lambia os lábios. ― E a parte laranja? ― Perguntei.
― A parte laranja tem suco de laranja, essência de tangerina, calda de caramelo e um leve toque de limão e gengibre.
― E traz o que? Sexo? ― Perguntei rindo. ― Porque é disso que eu preciso… ― eu disse dando outro gole.
Ele riu e disse:
― Faz com que o amor prometido pela parte rosa seja verdadeiro.
― Ah… que pena… ― eu disse fazendo uma carinha triste. ― Preferia que me trouxesse sexo.
E virei a tacinha, bebendo tudo. Era um drink delicioso.
― Pra sexo tem a cereja… ― ele disse rindo.
Peguei a cerejinha do copo pelo cabinho e arranquei o fruto com os dentes.
― Aleluia. ― Eu disse enquanto mastigava. ― Muitas pessoas levam fora aqui? ― Perguntei.
― De vez em quando. ― O barman disse rindo.
― Tem mais alguma bebida especial aí? ― Perguntei.
― Tenho mais uma, mas acho que essa ainda não serve pra você…
― E o que preciso fazer pra ganhá-la? ― Perguntei.
― Chama-se Diamante de Ouro. Mas só sirvo para os recém-casados. Dizem que traz prosperidade para o casamento.
― Ah… ― eu disse intrigado. ― Que legal… quando eu me casar, eu volto aqui… ― eu disse rindo.
― Haha… tenho certeza de que sim.
Nessa hora, chegou uma menina e um menino no barzinho.
― Lucas!? ― Ouvi alguém me chamar.
Quando olhei para o lado, percebi que a menina era Lili.
― Ah! Oi… Lili! ― Eu disse feliz por encontrar um conhecido.
― Oi, Lucas! ― Ela disse sorrindo. ― Lucas, esse daqui é o Vitor. Vitor, Lucas.
O garoto estendeu a mão e eu o cumprimentei.
― ―
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― Oi… ― eu disse timidamente.
― Oi! ― Ele respondeu.
― E aí, Lucas! ― Ela disse. ― O que tá fazendo aqui!? ― Ela perguntou.
― Ah… tô só… esfriando a cabeça…
― Hum… mas você tá sozinho aqui? ― Ela perguntou.
― Não… o Rafael tá aqui também…
― Ah… eu acho que vi ele por aí… ― ela disse. ― E… está tudo bem com vocês? ― Ela perguntou.
― Está sim… ― eu disse olhando para baixo.
― Hum… ― ela disse não acreditando.
― Estamos apostando quem pega mais hoje… ― expliquei.
― Ahhhhh! Ufa… ― ela suspirou e botou a mão no peito. ― Meu deus… que susto… nossa… ufa…
― O que foi!? ― Perguntei.
― É que eu vi ele ficando com alguém que não era você… e, agora que te encontrei, estava pensando na melhor maneira de… erm… te contar…
― Ah… obrigado… eu acho… ― eu a agradeci coçando a cabeça.
― E como assim vocês estão apostando isso? Vocês não namoram?
― Ah… sim… sim… mas… é uma longa história… ― eu disse.
― Isso foi ideia dele? Tem cara de que foi ideia dele… ― ela disse botando a mão no meu braço.
― Pior que não… ― eu disse. ― Foi ideia minha… mas acho que já estou arrependido…
― Ah… se quiser, eu posso te ajudar a ganhar… ― ela disse sendo simpática.
Olhei para ela. Será mesmo que ela estava se oferecendo para ficar comigo? Espera aí… ela tinha dito mesmo que podia me ajudar? Mas… eu não queria ficar com ela… quer dizer… tipo… eu preferia mil vezes ficar com um menino. E preferia um milhão de vezes ficar com o Rafa. E, além de tudo, mesmo se eu ficasse com ela, Rafa estaria com quatro pontos na minha frente… ou seja, ficar com garotas era a mesma coisa que nada… eu não sabia bem o que fazer…
― Me ajudar? ― Eu perguntei. ― Me ajudar como? Quer ficar comigo? ― Perguntei.
Nessa hora, o menino que estava com ela arregalou os olhos e a menina começou a rir.
― O que!? ― Ela disse rindo. ― Não… eu estou ficando com o Vitor, Lucas…
O garoto a abraçou pela cintura e ficou me encarando. Puta que pariu. Que ótimo! Mais uma gafe para o currículo. É óbvio que ela estava ficando com ele. O que mais esse garoto poderia estar fazendo andando com ela? Agora, além de passar vergonha, ainda tinha um menino querendo me bater… parabéns, Lucas… e eu achava que você não conseguia se superar.
― Ah… ― eu disse. ― É, mas… nossa aposta se resume a quem pega mais meninos, então…
― Ah… o Vitor também já tá comprometido… ― Lili disse.
― NÃOOO! ― Eu gritei e olhei para baixo.
Agora ela achava que eu queria ficar com o seu boy.
― Não tô dizendo que quero ficar com ele! ― Eu disse olhando para o garoto, que ficou vermelho. ― Não que você seja feio… ― tentei me corrigir. ― O que você não é! Mas também não tô dando em cima de você! Ah! Vocês entenderam…
Lili começou a rir de mim.
― Quando eu disse que podia te ajudar, eu quis dizer que, se você quisesse, eu poderia te ajeitar um menino legal… pra você ficar… o que acha?
― Jura!? ― Eu exclamei mais esperançoso… essa era a minha chance de dar o troco no Rafa e ganhar.
― ―
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― Sim… vai querer? ― Ela perguntou.
― Hum… se você me arrumar um bonitinho, eu aceito sim… ― eu disse feliz.
― Tá… eu arrumo sim… deixa eu mandar mensagem pra ele…
― Obrigado, Lili.
― De nadinha. E você sabe do Rafael? ― Ela perguntou.
― Ah… ele tá ali… ― eu disse e apontei.
Quando olhei para o barzinho que o Rafa estava, senti uma pontada no peito assim que o vi beijando um garoto diferente. Não… não… droga! Ele não estava fazendo isso comigo! Não acredito! Dez a zero! Mas quem se importa com o placar!? Era o meu Rafa ali! Enfiando a língua na segunda boca estranha da noite! Droga…
― Filho da puta! ― Eu soltei sem querer.
― Ouch… ― Lili disse assim que viu o que o Rafa estava fazendo. ― Deve ter doído.
― Que ódio! ― Eu disse. ― O que você acha que eu devo fazer? ― Perguntei.
― E eu que sei!? ― Ela se esquivou. ― O namorado é seu… se não estiver gostando, ou coloque um fim nisso, ou trate de dar o troco…
― É… tem razão… eu acho… ― eu disse.
― Então… posso ir lá chamar o garoto? ― Ela perguntou.
― Pode. ― Eu disse com um pouco de raiva.
Quando Lili se retirou, olhei para o barman e disse:
― Tem algo pra raiva aí? ― Perguntei.
― Tenho sim. Mas você precisaria ter dezoito anos pra tomar.
Eu ri.
― Álcool ajuda? ― Perguntei.
― Bem… não há nada que um Coquetel do Diabo não cure. ― Ele disse rindo.
― Uau… preciso provar um desses qualquer dia… o que vai? ― Perguntei. ― Espera! Deixa eu adivinhar! É vermelho!?
― É vermelho sim… vai uma dose de Martini, uma dose de Tequila, uma dose de Whisky, essência de pimenta, algumas gotas de rum, corante vermelho escuro e, pra decorar, coloco duas pimentas malaguetas mergulhadas em forma de chifre e ateio fogo na bebida com um isqueiro.
― Meu deus… você é criativo… ― eu disse rindo.
― Um pouco…
― Ei, qual seu nome mesmo? ― Perguntei.
― Marcos. E o seu é Lucas, né!?
― É sim… me ouviu conversando, né?
― Perdão… é inevitável, às vezes… não é como se eu pudesse tampar meus ouvidos.
― AH! FILHO DA PUTA! ― Eu gritei.
― Oi? ― Ele disse confuso.
― NÃO! ― Eu gritei novamente. ― Esse xingamento não foi pra você… foi para o Rafael!
― Rafael!? ― Ele perguntou confuso.
― Meu namorado! ― Expliquei.
― Ah sim… ― ele disse. ― O que você apostou…
― Isso! Acabei de descobrir porquê ele foi para o outro bar! Meu deus… isso é genial! O Rafa é um gênio! Você é um barman! ― Eu gritei.
― Hum… acho que isso tá meio, óbvio… não?
― Você é um barman! ― Continuei com meu raciocínio. ― Você deve conhecer muita gente aqui! E você provavelmente deve conhecer vários meninos que gostam de meninos! O
― ―
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Rafa, com certeza, tá pegando dicas com o outro barman! ― Eu gritei. ― É isso! É por isso que ele já conseguiu acertar dois meninos!
― Ah… okay… ― o cara disse rindo. ― Pode ser que seja…
Quando olhei para o lado, avistei Lili. Meu coração disparou quando eu vi quem ela estava trazendo. Se lembra daquele amigo gay dela? Que ela me apresentou outro dia? Aquele chatinho? Aquele que disse que o Rafa tinha garganta profunda? Era ele quem ela estava trazendo. Eu não ia ficar com aquele menino de jeito nenhum! Nem fodendo! Não! Ele não me despertava nenhum interesse e, ainda por cima, era um chato metido a besta! Eu é que não ia ficar com ele. Droga! Ela provavelmente já tinha dito que eu estava interessado! Eu precisava fugir!
― DROGA! ― Eu gritei e arranquei quinze reais da carteira. ― Aqui, Marcos! Pela bebida!
― Ah… já vai!? ― Ele perguntou.
― Vou fugir! Se aquela menina perguntar de mim, diz que eu fui embora porque estava passando mal! Eu não vou ficar com aquele moleque nem fodendo!
― Haha… tá certo, Lucas. ― Ele disse pegando os quinze reais. ― Quer seu troco? ― Ele perguntou.
― Não… pode ficar… não tenho tempo… considere que é minha gorjeta pelo bom atendimento… e pelos conselhos… ― eu disse rindo. ― Eu já volto… só vou despistá-la! ― Eu disse e saí dali o mais rápido possível.
Corri dali e me camuflei no meio da festa. Aproveitei o momento para dar uma volta pelo lugar e ver se avistava algum menino bonitinho. Dei umas duas voltas pelo Lual e o lugar parecia estar cada vez mais cheio. Olhei no meu celular e já era quase meia noite. Acho que até uma da manhã esse lugar ainda ia lotar. Ainda estava tocando músicas eletrônicas… nada de funk… acho que o funk só começava mais tarde. Meninos bonitos, tinha… eles só não estavam dando sopa sozinhos por aí…
Daí, enquanto eu estava andando perdido por aí, tentei achar o Rafa, para ver se ele estava ficando com mais alguém. E sabe qual a pior parte? É que ele estava. Quando bati os olhos, reconheci imediatamente a vagabunda que beijava meu namorado. Era a piriguete da Isabela. Filha da puta! Lili deve ter avisado a amiga sobre o que nós estávamos fazendo! E essa vaca, mais que depressa, foi se aproveitar dos braços do meu gatinho! Piranha! Isso tinha que acabar! Eu ia colocar um fim nisso agora!
― LUCAS! Aí ESTÁ VOCÊ! ― Ouvi uma voz me chamar.
Nessa hora, fechei os olhos num gesto de decepção e abaixei a cabeça. Me virei para trás e disse:
― Oi, Lili…
-Lucas! Esse é o Pedro. Se lembra dele? ― A garota perguntou.
― Ah… oi, Pedro! ― Eu disse estendendo a mão para cumprimentá-lo.
― Oi, bonitão… ― ele disse rindo igual um idiota.
― Erm… eu vou deixar vocês a sós… ― Lili disse.
― ESPERA! ― Eu gritei.
― O que? ― Lili disse espantada com meu grito.
― É que… erm… posso falar com você um instante, Lili? ― Eu pedi. ― A sós?
Lili olhou para o Pedro, que fez um sinal de que não se importava. Daí eu e ela nos afastamos dele.
― Ei, Lili! ― Eu disse. ― Ele sabe da aposta?
― Ah… desculpa, eu contei… tem algum problema? ― Ela perguntou.
― ―
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― Ah… não, não… é só que… nossa aposta só vai até meia noite… ― inventei uma desculpa.
Peguei meu celular e olhei a hora novamente. Daí eu rezei para que já tivesse passado da meia noite. O visor do meu telefone exibia meia noite e um. NOSSA! Salvo pelo minuto!
― Então… já passou da meia noite, então… acho que eu não devia mais ficar com ninguém… ― dei uma desculpa.
― Não é o que parece… ― Lili disse apontando na direção do Rafa.
Rafa continuava aos beijos com sua amiga, Isabela.
― Ah… daqui a pouco ele se toca… ― eu disse olhando para baixo.
― Ah, qual é Lucas… fica com o Pedro… ele quer muito… ele disse pra mim que te acha bonito… o garoto te lançou vários elogios e você vai dar pra trás? Você precisava ver como ele ficou feliz quando eu disse que ia te arrumar pra ele!
― É que… desculpa, Lili… mas acho que eu não consigo…
― Vai, Lucas… por favor… se não for por você, faça por ele… imagina como ele vai ficar feliz por beijar um garoto nota dez!
― Eu não sou um nota dez! ― Eu disse lisonjeado.
― É sim… vai, Lucas… fica com ele, por favor! ― Ela insistiu.
― Ah, Lili… você vai ter que me desculpar, mas não posso fazer isso… desculpa…
― Tá… se você não quer, o que eu posso fazer…
― Pode dispensá-lo para mim? Diga que eu sinto muito.
― Tudo bem, Lucas… eu posso sim… mas ele vai ficar bem triste…
― Diga que eu não posso… que a aposta acabou…
― Tá bom… ― ela disse sendo compreensiva. ― Eu falo com ele…
― Obrigado, Lili! Obrigado mesmo! ― Eu a agarrei e dei-lhe um beijo na bochecha.
A menina sorriu e mordeu os lábios.
― Vou botar num fim nessa aposta. ― Eu disse para ela.
E eu ia mesmo. Chega de sofrer vendo o Rafa ficando com deus e o mundo! Estava na hora de colocar um fim nisso. Eu ia pedir desculpas para ele, e… se ele quisesse que eu fosse passivo pelo resto do ano, por mim tudo bem… desde que eu não tenha que assisti-lo ficando com mais ninguém, por mim tá ótimo… não é como se fosse o fim do mundo ser passivo! Eu era passivo a maior parte do tempo… e até confesso que eu gostava… e daí? Se dependesse de mim, eu daria pra ele até o fim da minha vida, se fosse preciso. Foda-se.
Saí dali e fui procurar por ele, mas agora ele tinha sumido. Olhei em volta e não vi sinal dele. Dei mais uma volta pelo Lual, e nada… dei outra volta, e nada…
Foi quando dei de cara com a última coisa que gostaria de ver. Nada no mundo me deixou tão magoado quanto isso. No mesmo instante, senti lágrimas brotando dos meus olhos. Rafa estava beijando aquele garoto que eu tinha conhecido mais cedo. O Guilherme. O Guilherme que me deu um fora dizendo que era hétero… e agora ele estava se atracando aos beijos com meu namorado. É… parece que ele não era tão hétero assim… no final das contas…
Isso me deixou tão nervoso que eu saí correndo dali. Qual era meu problema? O que o Rafa tinha que eu não tinha? Por que esse garoto ficou com ele e não comigo? Que filho da puta! Isso foi péssimo para minha autoestima. Saí correndo daquele Lual o mais rápido que conseguia. Eu não aguentava mais isso. Dezesseis a zero. DROGA!
Como a Enseadinha era uma praia, saí correndo pela orla até chegar num ponto suficientemente distante e silencioso. Me agachei ali e me puis a chorar. Eu não queria mais… eu queria voltar no tempo… eu não queria que nada disso tivesse acontecido… eu estava completamente arrependido de ter sugerido isso e o que eu mais queria era o meu Rafa de volta. Meu doce e inocente Rafa. Fiquei ali chorando por mais ou menos dez minutos, rezando para
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que uma estrela cadente passasse e me concedesse um desejo. Chorei ali até ouvir uma voz familiar me chamar.
― Lucas?
Olhei para o lado e avistei, a mais ou menos dez metros de mim, Rafa. Ele estava parado em pé e me olhava com um semblante triste e preocupado.